Ari Aster está de volta com um filme que aparentemente se afasta do terror que o tornou reconhecido… mas só aparentemente. Isto porque apesar de “Hereditary” e “Midsommar” serem claramente filmes de terror, o realizador começou a explorar outras vertentes do género com a paranoia e os distúrbios psicológicos em “Beau is Afraid” e agora, de novo com Joaquin Phoenix no papel principal, apresenta o terror da dura realidade que marca a linhas cada vez mais fortes o destino dos Estados Unidos da América.
Em “Eddington” estamos em maio de 2020, em plena pandemia de COVID-19 e em ano de eleições. O presidente da câmara (Pedro Pascal) é a favor de cumprir as ordens de confinamento e utilização de máscara. Mas o xerife (Joaquin Phoenix), pelo contrário, diz-se defensor das liberdades pessoais e desafia constantemente as recomendações de saúde pública. O rastilho foi acendido e nada o pode apagar em 2 horas e meia que (à parte um breve período mais lento a meio do filme) vão mostrando a amplitude cada vez maior da loucura, desinformação e perda de controlo na comunidade.

Este é um filme que demonstra como a turbulência na política e nas forças policiais, aliada à desinformação nas redes sociais e ao fanatismo religioso, criam um caos tão grande que os atos condenáveis de um vilão ficam enterrados sob múltiplos acontecimentos que se sucedem ininterruptamente e que nos deixam impotentes, confusos e submergidos em notícias sem fim.
É normal que um olhar tão cru quanto transbordante não tenha agradado aos americanos, e que filmes como “Eddington” e “Beau is Afraid” sejam mais bem recebidos na Europa que nos EUA, mas Ari Aster sabe do que está a falar e não deve ser colocado de parte pela indústria só porque os seus filmes têm mais dificuldade em recuperar o investimento.

Um neo-western que se cinge à loucura da realidade em terras de Trump, que certamente não agrada a todas as cores políticas, mas feito com mestria não só do conteúdo (realização, argumento, direção de fotografia, direção artística…) como também na construção do arco narrativo das personagens, que não se ocupa apenas dos protagonistas Phoenix e Pascal, permitindo uma evolução do restante elenco numa verdadeira teia social composta por Emma Stone, Deirdre O’Connell, Austin Butler, Micheal Ward, Luke Grimes, Clifton Collins Jr, William Belleau, Cameron Mann, Matt Gomez Hidaka e Amélie Hoeferle, em que todos têm pelo menos uma cena para brilhar.
Já o primeiro poster de “Eddington” mencionava ‘Hindsight is 2020’ e no futuro muitos regressarão a este filme e vê-lo-ão como um reflexo da polarização da nossa contemporaneidade.