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Westworld: Um robô também sabe derramar lágrimas

by João Pedro

A premissa de “Westworld” pode, em certa medida, ser comparada a um pesadelo clássico de infância. E se todas as pessoas no mundo, excepto nós, fossem robôs ? Como é que podemos saber se alguém é real ?

“Breakfast of Champions”, de Kurt Vonnegut, apresenta um personagem que enlouquece depois de ler esta passagem, que descreve uma ilusão que todos podemos sentir em algum momento da nossa vida:

“Estás cercado por máquinas de amor, máquinas de ódio, máquinas gananciosas, máquinas altruístas, máquinas corajosas, máquinas cobardes, máquinas verdadeiras, máquinas mentirosas, máquinas engraçadas, máquinas solenes. O único propósito que elas têm por verdadeiro é despertar-te de todas as formas possíveis, para que o Criador do Universo possa assistir às tuas reações. Elas não podem sentir ou raciocinar mais do que os relógios dos nossos avós”.

Muitos conseguem superar essa crise existencial rapidamente, porém, os convidados de “Westworld”, o parque temático de robôs que dá nome a uma das séries mais conceituadas da HBO nos últimos tempos, talvez nunca precisem, visto que estão cercados por máquinas.

“Westworld” é povoado inteiramente por cowboys, índios, prostitutas, bandidos e outros personagens tipicamente ocidentais, programados para executar ciclos e modos de vida intermináveis. O objetivo é que os convidados, isto é, os humanos, fiquem entretidos num mundo quase real.

Os humanos podem fazer o que quiserem com os robôs (até matar), sendo que, em troca, as máquinas não podem responder a estas ações. Desta feita, os convidados apresentam as suas próprias respostas à pergunta: O que é que farias se pudesses fazer o que quisesses?

À medida que os episódios vão passando, são levantadas múltiplas questões pertinentes, e que temos a legitimidade de colocar, porque todo aquele mundo é concebido para criar dilemas.

Se Anthony Hopkins não passasse a imagem tão convincente do benevolente Criador do Universo, e se Jeffrey Wright não fosse tão interessante a assumir o papel de discípulo, as atenções poderiam virar-se facilmente para a questão central em torno de Dolores (Evan Rachel Wood), isto é, se ela alguma escapará ao seu ciclo interminável para fugir com o Teddy (James Marsden), ou evitar a atenção indesejada do Man in Black (Ed Harris).

© HBO 2015

Nesta história, os robôs parecem executar o que as histórias de ficção científica sempre espelharam: tornarem-se suficientemente cientes para idealizar o que os rodeia, mas da forma menos “técnica” possível.

Esta experiência torna-os mais empáticos do que os humanos, que estão dispostos a abandonar a sua humanidade (perdoem-me o pleonasmo) para atormentar criaturas que apenas parecem humanas. Assim, perante tanta selvajaria, as máquinas de amor, de combate ou de derramar uísque tecem linhas pré-programadas, e aprendem, através da repetição, a ser máquinas ressentidas.

Em “Westworld”, os robôs servem de metáfora flexível, que podemos aplicar facilmente a um grande número de pessoas que são incluídas e excluídas alternadamente dos nossos círculos de empatia em expansão e contração.

Algumas crianças que brincam aos índios e cowboys reconhecem que ambos os lados são seres humanos com vidas emocionais complexas. Outras crianças não. Agora, adicionemos a realidade de que alguns destes índios e cowboys não são humanos, e surge uma configuração provocativa.

O único fator que pode impedir a aprovação da série em toda a sua plenitude prende-se com o facto de JJ Abrams, um dos seus criadores, ser excelente nas configurações e inconsistente nos finais. (“The Maze”, que é importante para “Westworld”, faz lembrar um pouco “The Hatch” , de “Lost”).

“Westworld” é um projeto suficientemente bem elaborado para prender o espectador ao ecrã em tempos de quarentena, e para obrigar o público a efetuar certas conjecturas sobre o papel que temos enquanto agentes sociais.

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