Home Novidades “Watchmen”: Um baile de máscaras em tempos surreais

“Watchmen”: Um baile de máscaras em tempos surreais

by João Pedro

Recebida com aclamação sustentada, “Watchmen” consegue realizar o que antes era visto como improvável, senão totalmente impossível. É realmente uma sequência perfeita para a obra sublime que Alan Moore e Dave Gibbons criaram. Cada cenário, arco da história e pista musical convida à obsessão insaciável dos verdadeiros fãs do género.

O enredo de “Watchmen” surge como um sucessor espiritual das bandas desenhadas com o mesmo nome. É ambientado algum tempo depois de um evento terrível que sucedeu em Nova Iorque e que mandou Ozymandias para o exílio.

“Watchmen” adapta-se muito mais para aqueles que estão familiarizados com a tradição da história, porém, os recém-chegados também podem desfrutar da série, mesmo que possuam menor conhecimento prévio sobre o assunto.

A especificidade do material de origem precisa de ser explicada: esta série não é uma sequela da adaptação do filme que Zack Snyder realizou em 2009. Enquanto que Snyder teve dificuldade em afundar-se na vitalidade da parábola da Guerra Fria madura de Moore, e na sua análise cheia de perguntas sobre o próprio conceito de super-heróis, Enter Damon Lindelof, o criador desta série, absorveu totalmente a ideia.

Aliás, não só percebeu, como justificou o final polémico da história de Moore, um Apocalipse arquitetado por um génio narcisista rico, numa tentativa gravemente bem-sucedida de parar o som iminente do juízo final da Guerra Fria.

Tal como “Watchmen”, de 1985, abordou questões inquietantes da época, o mesmo sucede com a série da HBO.

Tudo começa com um flashback de tumultos raciais e o massacre da vida real de Tulsa em 1921. Lindelof projeta a narrativa com correntes temáticas arrojadas do racismo moderno, o papel profundamente incómodo da aplicação da lei e as realidades do trauma de gerações. Tudo isto num mundo em que a presidência prolongada de Robert Redford (mencionado, mas nunca visto) resulta num conjunto de atos reacionários por parte de vigilantes mascarados.

Os polícias precisam de aprovação para ter acesso a armas e têm de se mascarar para proteger as suas identidades. Presa numa sociedade que ainda recupera das consequências do  incidente global, “Watchmen” foca-se em Angela Abar (Regina King), também conhecida como Sister Night.

O chefe de Angela, Judd Crawford (Don Johnson), é um personagem surpreendente da série, visto que também possui um relacionamento familiar com a protagonista. Esta relação é o fio condutor do enredo, ao permitir a exploração da história de fundo e a compreensão de muitos dos elementos de “Watchmen”.

A dada altura, Judd é encontrado pendurado numa árvore, e, o agente Blake surge para apimentar as coisas e descobrir quem é o culpado. Conforme a temporada avança, descobrimos mais sobre o passado de Angela, bem como a verdade sobre o paradeiro de um tal Dr Manhattan.

Por conseguinte, tudo converge num final dramático que responde a algumas das questões levantadas ao longo da série, mas que levanta outras tantas perguntas ambíguas.

“Watchmen” retrata o tempo como não linear, salta para a frente e para trás pelas cenas, enquanto a disparidade dos primeiros episódios e a confusão deliberada tornam a experiência bastante satisfatória, à medida que conseguimos algumas respostas.

Visualmente falando, a série é excelente. Seja pelo uso recorrente da cor azul para representar o Dr. Manhattan, ou pelas cenas a preto e branco para enfatizar tensões raciais. Todas estas escolhas são perfeitamente compostas no ecrã e entregues com grande subtileza.

A série expande a história das bd´s de uma maneira fascinante, ao tecer uma mitologia densa e bizarra num mundo concebido para ser absorvido. O primeiro episódio introduz várias ideias complicadas, e, perentoriamente, traça linhas claras para o fascismo nas ações da polícia e dos vigilantes.  Em contrapartida, também bate de frente com o poder duradouro da supremacia branca e de um conjunto de identidades que, por norma, aprecia a utilização de máscaras para esconder uma essência tacanha e assustadora.

Transformar tudo isto num único filme era impossível. Felizmente, Damon Lindelof e o pessoal da HBO reconheceram a necessidade de mais tempo para dar corpo a estes personagens e fundamento à história, visto que funciona tudo de forma esplêndida.

É certo que havia potencial para uma segunda temporada. Mas eu, pelo menos, estou feliz que Lindelof tenha declarado abertamente que não existe a intenção de prosseguir com a série. Fico grato por isso.

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