Nesta segunda edição da rubrica Vamos ao Cinema com a RTP!, optei por escrever sobre um filme que a RTP transmitiu no passado dia 8 de abril, e que já vigora/vigorou no catálogo da RTP Play. Trata-se de “Silence”, a obra que Martin Scorsese levou ao grande ecrã em 2016.
No passado dia 8 de abril, a RTP transmitiu “Silence”, a tão esperada adaptação de Martin Scorsese à obra que Shūsaku Endō escreveu em 1966, sobre os missionários portugueses que enfrentaram certas provações no Japão, durante o século XVII, num período de grande hostilidade aos cristãos.
Endō, um cristão japonês, contou uma história sobre o tempo em que o Japão recém-unificado – reprimiu os cristãos através de perseguições e tortura, forçando os fiéis à comunhão oculta.
Em Portugal, quando a Companhia de Jesus recebe a notícia de que o missionário Cristóvão Ferreira (Liam Neeson) renunciou à fé Cristã, Sebastião (Andrew Garfield) e Francisco (Adam Driver), dois dos seus discípulos, decidem partir para o Japão, com o intuito de confirmar o sucedido. Quando lá chegam, percebem que, de facto, ter fé em Jesus Cristo é um motivo suficientemente válido para serem mortos.
“Silence” é um filme convidativo e austero, projetado para os curiosos. Em contrapartida, embora possa ser rigoroso a nível cinematográfico, acaba por não ser chamativo para os que procuram algo repleto de ação.
Décadas após ter irritado muitos fiéis ao retratar Jesus como um mero mortal em “The Last Temptation of Chris”, “Silence” marcou o regresso da controvérsia para Scorsese.
Só o tema, num tempo de execução de mais de duas horas e meia, poderá afastar muitos, que preferem ver o cineasta a lidar com assuntos profanos ao invés de sagrados.
Todavia, depois de vários anos ajoelhado no altar da produção de filmes com faro para os Oscars (“The Aviator”, “The Departed”) e entretenimentos de ópera (“Shutter Island”, “The Wolf of Wall Street”), Scorsese voltou, naquele ano, a apresentar uma obra com ideais exigentes e obviamente pessoais .
“Silence” lida explicitamente com a dor da dúvida, e o silêncio de Deus perante o sofrimento.
Tecnicamente, o filme é mais um triunfo para a perspicácia de criação de imagens de Scorsese, com a cinematografia de Rodrigo Prieto e os figurinos de Dante Ferretti a fundamentarem uma terra bonita, a névoa, a pobreza do povo e a riqueza feudal. O trabalho cauteloso e o tom são exatamente sintonizados com o entrelaçar de perigo e sofrimento.
Seja a captar o diálogo entre personagens, a angústia particular ou tortura, o filme é abafado ao ponto de reverenciar a decepção.
E, se Scorsese não é exatamente Yasujirō Ozu, quando se trata de capturar sem esforço o invisível, também não é Mel Gibson, ao entregar destaque à agonia física. Em “Silence”, a ambição de Scorsese incide na dramatização de uma luta interior implacável.
Do trio de atores mais conhecidos, destaco a performance segura de Neeson, que surge para completar o treino teológico do abalado Sebastião, projetando um gigante intimidado para quem questões de vida e morte acabam por assumir papéis resignadamente práticos. Em contrapartida, a verdadeira amplitude de representação vigora no elenco japonês.
“Silence” encerra a batalha de vontades culturais / teológicas com uma conclusão no tempo e uma imagem final que indica que o cristianismo vigora em qualquer situação. Mas, numa Era de tensões geopolíticas ligadas à religião e à intolerância, será que esta é a mensagem certa a passar?
Seja como for, o filme oferece a oportunidade de debate e troca de ideias, cumprindo o seu papel de agitador de opiniões e valores. Julgo que é uma boa aposta. É, sem dúvida, uma obra que merece ser vista ou revista na companhia da RTP.
Até à próxima e bons filmes!
Fotografia: © 2016 – Paramount Pictures