Ruben Östlund possui um certo grau de experiência em usar a sátira como uma ferramenta afiada para apunhalar as elites. “Triangle of Sadness” não é diferente. Marca a segunda vez que o cineasta consegue levar para casa a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, depois de “The Square”. O mais recente olhar em torno da alta sociedade é particularmente contundente, mas é visto através de uma perspetiva complementada com grandes gargalhadas, alto valor de choque e muito caos, para melhor ou pior.
Aviso – Este artigo contém alguns spoilers do filme
O modelo masculino Carl (Harris Dickinson) tem a oportunidade de embarcar num cruzeiro de luxo juntamente com a sua namorada, e influencer, Yaya (Charlbi Dean). Por conseguinte, todas as suas inseguranças embarcam num navio repleto de funcionários incapazes de dizer a palavra “não” para a clientela, e que concordam em cumprir todos os seus desejos, por mais ridículos que sejam os pedidos.
“Triangle of Sadness” tece críticas ao consumismo de forma pura e dura. Logo no início do filme, Carl começa por fazer um teste para um trabalho como modelo, porém, os avaliadores têm padrões superlativamente exagerados. Na sua escolha, avaliam a maneira como anda, há quanto tempo foi o último trabalho que fez e o seu “triângulo de tristeza” – a ruga que se forma entre as sobrancelhas. A dada altura, sugerem o Botox para corrigir o problema, captando desde logo o mundo para o qual Östlund pretende empurrar o público.
Carl e Yaya são o casal perfeito para o Instagram, mas a dinâmica da relação não é a melhor. Numa discussão que têm sobre quem deve pagar o jantar, a conversa estende-se para os papéis de género. Ao mesmo tempo, o casal pretende sempre espelhar uma imagem “sexy” nas suas personalidades privadas e públicas, o que resulta em ciúmes. Todavia, até a presença do casal no cruzeiro é uma fachada, visto que resulta de um convite feito a Yaya pelo seu status nas redes sociais.
Por outro lado, Paula (Vicki Berlin) a chefe de staff do navio, enfatiza ainda mais a crítica do filme ao consumo. Naquela equipa, o objetivo é único: manter os ricos felizes e manter o capitão (bêbado, por sinal, e retratado por Woody Harrelson) sob controlo. Porém, mais à frente, já fora do cruzeiro, há uma tomada de poder que abala a hierarquia, bem como o próprio terreno sobre o qual é construído este objetivo.
Juntamente com o casal, o cruzeiro conhece os seguintes hóspedes: Dmitry (Zlatko Buric), um oligarca russo que se gaba por “vender merda (fertilizante)” e que gosta de citar Reagan e Thatcher, mas que depois já não tem problemas em citar Lenine, uma alemã deficiente (Iris Berben) que só consegue pronunciar as palavras “In Den Wolken (Nas Nuvens)”; um magnata de software excepcionalmente maçante (Henrik Dorsin); uma escandinava (Mia Benson) que insiste que as velas do navio precisam de ser limpas, apesar do navio possuir motores; e Clementine (Amanda Walker) e Winston (Oliver Ford Davies), um velho casal britânico que fez fortuna a fabricar granadas de mão.
Östlund divide o filme em três capítulos. O relacionamento de Carl e Yaya permanece em primeiro plano, mas torna-se cada vez mais uma sátira de grupo à medida que a história se desenrola. A política social está em jogo nos três segmentos, mas o cineasta aposta em estruturas de poder. É uma aventura fascinante através da destruição dos ricos, mas o terceiro ato é bastante exagerado. Se o filme tivesse apresentado menos 20 minutos, talvez esta minha opinião terminasse com a avaliação de 9 pontos em 10. Há uma grande variedade de humor que preenche cada capítulo, contudo, nem todas o desenvolvimento no enredo vale a pena. A terminar o segundo ato, pensando eu que fosse o fim de tudo, surge um vislumbre do clímax de “Um Filme Falado”, de Manoel de Oliveira, e, para mim, era esse final que este filme merecia. Não aconteceu.
Apesar disso, Östlund oferece algumas situações incrivelmente engraçadas e, obviamente, adora o esforço coletivo de levar o seu público para o passeio no que é uma montanha-russa dos efeitos do poder absoluto a corromper totalmente.