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Três filmes que evocam os valores de Abril

by João Pedro

25 de abril de 2020. Celebra-se mais um ano de Liberdade. Nessa beleza intrínseca que é poder escrever sem qualquer receio de opressão, venho espelhar a minha opinião acerca de três filmes que giram em torno da Revolução dos Cravos, ou do processo que levou a esse marco histórico em Portugal. 

No presente artigo, apresento três projetos que exaltam os valores de Abril, e que, na minha opinião, são opções interessantes a visualizar durante este tempos de quarentena. 

“Capitães de Abril” (2000)

Na noite entre 24 e 25 de abril de 1974, começou a “Revolução dos Cravos” que, ao colapsar o regime existente, permitiu que Portugal embarcasse numa nova era. 

À frente do golpe militar estão oficiais, quase todos capitães. Embora de forma rebelde, não pretendem tomar o poder, mas querem acabar com a ditadura e a atroz guerra colonial que assola o país há quarenta anos. Por conseguinte, permitem o nascimento de partidos e movimentos, que prometem “desaguar” nas primeiras eleições livres.

Nesse contexto, Maia (Stefano Accorsi) Manuel (Frederic Pierrot) e Antonia (Maria de Medeiros), embora carregados de problemas pessoais a resolver, saem à rua para lutar em prol da causa civil. 

“Capitães de Abril” conta a história das primeiras vinte e quatro horas do golpe. É a história das tensões, emoções, ansiedades e expectativas que precedem o grande momento histórico. 

É também a história dos obstáculos, isto é, dos inconvenientes inesperados que tornam cada momento inesquecível. 

De facto, enquanto tentam levar a cabo a revolução, Maia e Manuel têm de lidar com problemas práticos, como o tanque que acaba por ceder a meio da marcha para Lisboa. Eles não são super-heróis, porém, também não são personagens frios e inacessíveis. São jovens oficiais, às vezes inexperientes, que, no entanto, acreditam num ideal e fazem tudo o que é possível para alcançar esse objetivo. 

A única desvantagem do filme é o bem-estar excessivamente exasperado que transparece continuamente: todos são justos, ninguém cede à violência, os valores da liberdade e da igualdade são elogiados acima dos próprios interesses pessoais. 

Numa outra vertente, a reconstrução de locais e eventos é extremamente precisa e detalhada, sendo que a escolha de figurinos, músicas e cenas é muito cuidadosa.

Maria de Medeiros é credível no papel de esposa idealista, que tenta salvar um estudante reacionário da prisão. Frederic Pierrot é perfeito a retratar Manuel, o seu marido que, em vão, tenta reconquistar a esposa. Quanto a Stefano Accorsi, consegue incorporar a pele do jovem de trinta anos que, apesar que luta para que “o fôlego da história” entre na sua vida.

 “Les Grandes Ondes” (2013)

Abril de 1974. Dois jornalistas de rádio são enviados a Portugal para fazerem uma reportagem sobre a ajuda a um país “subdesenvolvido, mas simpático”. Porém, enquanto deambulam pela província portuguesa, irrompe a Revolução dos Cravos. Decididos a acompanhar os eventos em primeira mão, rumam a Lisboa para para efetuarem a reportagem sobre o espírito de liberdade do povo luso.

Leve, mas sem ser ingénuo, o filme reflete uma Europa na qual as disparidades entre povos e sexos estavam presentes na década de 1970, mas onde o entusiasmo prevaleceu, enquanto a escuridão reinava. 

Nesse retrato de um continente ainda em construção, onde todas as possibilidades estavam abertas para quem sabia correr riscos, Lionel Baier, o realizador da longa-metragem, conseguiu mostrar todos os desafios de uma evolução necessária sem conflitos de gerações.

Se a primeira parte, que surge no formato de criação e divulgação da propaganda suíça, apresenta uma certa monotonia, o filme encontra o verdadeiro motor nesta revolução inesperada, porque os personagens encontram um gatilho para libertar todos os impulsos e desejos reprimidos. 

Longe das considerações políticas, lembra que a Europa é sobretudo uma terra de troca, onde as possibilidades são infinitas. É um filme leve, refrescante e que não é desprovido de bom senso.

“Cartas da Guerra” (2016)

1971. A vida de António Lobo Antunes é brutalmente interrompida quando o exército português decide efetuar o seu recrutamento para exercer funções medicinais numa das piores áreas da guerra colonial, o leste de Angola. Longe de tudo o que ama, escreveu inúmeras cartas para a esposa, envoltas num ambiente cada vez mais violento. Ao mudar de destino, apaixona-se por África e amadurecem politicamente. A seu lado, toda uma geração luta contra o desespero. Num cenário de guerra tão incerto, as cartas tornam-se o único elo com a sobrevivência.

Em teoria, qualquer pessoa pode ser hipnotizada. Depende inteiramente se o assunto permite que isso aconteça. A linguagem lírica e a fotografia em preto e branco das magníficas impostas em “Cartas da Guerra”, a adaptação Ivo M. Ferreira à obra de Lobo Antunes, evocam uma sensação de hipnose. 

Em 1971, António (Miguel Nunes) é enviado para a Guerra Colonial, em Angola. Escreve a tal sucessão interminável de cartas para a esposa, que está grávida. Desta feita, são essas cartas que guiam a história à medida que são lidas na sua narração emocionante.

As cartas conseguem ser poéticas e ocasionalmente prosaicas, dependendo do humor de António, e, embora não seja um filme sem diálogo, as palavras faladas são distantes. Ele não é introvertido ou empolgado, mas é nas cartas que a sua mente afiada fica evidenciada. 

Nunes faz um excelente trabalho, dado que raramente consegue comunicar a partir do diálogo.

Inicialmente, Ferreira capta os jovens militares como ídolos, com a nitidez do preto e branco, o que torna a sua deterioração gradual ainda mais óbvia. Embora não exista cor, parece que o paladar muda à medida que a guerra arrasta, e as simpatias de António balançam lentamente para a esquerda. 

Embora tenha sido um lugar de horrores nas décadas de 1960 e 1970, Angola parece bonita, não obstante a nota sempre severa que exalta. 

Uma vez que o método de entrega é aceito, o filme mergulha elegantemente num mundo subtil que retrata uma guerra amplamente esquecida. “Cartas de Guerra” é um triunfo rico e assustador.

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