“Three Thousand Years of Longing”, o mais recente filme do aclamado George Miller, é uma obra um tanto ou quanto agridoce, que está incluída no lote das múltiplas produções que decidiram juntar fantasia com os temas em torno do amor, a melancolia que as experiências vividas deixam na mente de cada um e o prazer gerado pelas histórias como substrato visceral da alma, que exige ficções instrutivas ou ao menos ilustrativas da realidade que nos rodeia.
O artigo contém spoilers do filme!
O argumento de George Miller e Augusta Gore, baseado no conto “The Djinn in the Nightingale’s Eye” (1994), de A.S. Byatt, começa com a viagem que Alithea Binnie (Tilda Swinton), uma académica solitária, efetua a Istambul, para dar uma conferência. A sua chegada gera, desde logo, alguns momentos bizarros, visto que Alithea não consegue evitar uma série de alucinações em torno de figuras demoníacas (algo que interpreta como “emboscadas” a mando da sua imaginação para mantê-la alerta e nunca complacente). Ao passar por um bazar na cidade, a protagonista encontra uma garrafa antiga que esconde um génio (Idris Elba), que se oferece para conceder-lhe três desejos. Alithea apressa-se a desconfiar, sabendo que quase todas as histórias semelhantes levam à tragédia e a uma moral de precaução. Para convencê-la da sua honra e das suas boas intenções, o génio narra três episódios que o deixaram na sua condição atual.
Hollywood gosta de filmes de género facilmente classificáveis e que podem ser colocados em caixas. No entanto, alguns cineastas recusam-se a ser catalogados. É o caso de George Miller que, aqui, marca o seu regresso ao grande ecrã depois de “Mad Max: Fury Road”. Embora seja mais associado a “Mad Max”, Miller é incrivelmente versátil – responsável por obras como “Happy Feet”, “The Witches of Eastwick” e “Babe: Pig in the City”. Tem feito um bocadinho de tudo.
Efetivamente, existem raízes mitológicas profundas em “Three Thousand Years of Longing”. Estas influências revelam-se de forma vibrante no seu visual. Se, por um lado, evoca um trabalho visual magnífico, a maior luta do filme diz respeito à estrutura da narrativa, que envolve o génio e Alithea num arco romântico que serve como ponto de entrada para contar uma série de micro-histórias sobre aventuras místicas.
As histórias, embora interessantes, são contadas puramente da perspetiva do génio. Como tal, é um desafio investir em qualquer um dos personagens secundários e apreciar a sua humanidade. Pelo simples facto do génio estar a contar histórias no presente, é facilmente assumido que estas não terminaram da melhor forma para ele no passado. No grande manual dos contadores de histórias, que até parece ser um tópico de destaque da obra, o elemento de se contar uma história parece estar embutido no erro crucial da previsibilidade. Não obstante, a presença da estrutura sinuosa da narração permite que apreciemos a beleza das imagens. Seja como for, o enredo principal (entre Althea e o génio) não começa até ao final do segundo ato.
Nesse ponto, a história entra num novo arco quando Althea e o génio se mudam para Londres. Uma vez que a ação se move para a cidade, o filme encontra o seu foco narrativo. Todavia, já é depois de muito vagar pelos contos sinuosos que compõem os primeiros três quartos do filme. Ao passo que o terceiro ato quer contar uma história convincente e complexa, o poder narrativo perde-se no peso dos elementos estilísticos. A história de Althea e do génio é contada através de uma lente fragmentada. A ação continua a derivar no seu lirismo, como ocorre em grande parte da história. Em vez de parecer o terceiro ato de uma história completa, parece um apêndice desajeitado de finais colados que servem apenas para cortar a progressão.
Todavia, ignorando as queixas sobre a forma como se poderia contar esta história, cujos desejos são, de certa forma, desperdiçados na forma pouco ortodoxa como Althea aborda a ausência de fé em pactos mágicos, a realização visual de Miller não deixa de encantar os aficionados pelo seu trabalho. Num aspeto que poucos realizadores contemporâneos conseguem atingir, ele cria uma experiência cinematográfica em todos os níveis. Isso começa com as primeiras cenas e dura até à escolha da música nos créditos finais.
No final, a minha reação não conseguiu ser outra que não a projeção de uma gargalhada sinceramente divertida. “Three Thousand Years of Longing” é um banquete visual, flutuante e sinuoso. É bonito de se ver, mas é também uma escorregadela imensa na maionese, ou, por outra, não é de forma alguma uma imagem padrão de Hollywood.
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