Quando é largada no meio de uma ilha “deserta de humanidade”, depois de um acidente, Roz, uma robô criada para servir a humanidade, terá de se reprogramar para cumprir uma missão impossível. Esta é a premissa de The Wild Robot.
ROZZUM 7134 é uma máquina desenvolvida por humanos para desempenhar de forma inequívoca tarefas e rotinas domésticas. Após um naufrágio encontra-se longe de moradias suburbanas, pó e pequenos almoços do estilo tipo resort e tem de enfrentar, sem qualquer preparação, os desafios da natureza selvagem.
Perdida e despida de qualquer propósito começa a procurar um propósito e a explorar a ilha e todos os seus habitantes. A adaptação está longe de ser natural e mais do que um robô, ROZZUM 7134 é um elefante numa loja de porcelana. O processo de adaptação e desenvolvimento é acelerado quando descobre um ovo que decide proteger até ao nascimento da criatura. Já com propósito conhece uma raposa, Fink, que personifica características já tão facilmente atribuídas a estes animais. Matreira, sarcástica e desconfiada, torna-se o primeiro amigo e confidente de Roz (abreviatura para ROZZUM 7134).

© Universal Pictures
Segue-se a eclosão do ovo que revelerá uma das principais personagens do filme, Bright Bull. Das cascas nasceu um ganso bebé e um sentimento de missão para Roz. A Jornada da Maternidade começa e os desafios são ímpares e desconhecidos. Como qualquer mãe de primeira viagem, Roz tenta responder a todas as necessidades o melhor que sabe mas não tem esse código programado em si. Aprende a observar outros gansos o que tem de ensinar a Brightbill – comer, nadar e voar – para que ele esteja pronto para enfrentar os desafios da vida adulta, integrar-se com os outros gansos e para que ela possa “voltar para casa” com a missão cumprida.
Sabemos que ao dia de hoje os filmes de animação deixaram de ser histórias infantis desprovidas de enredos profundos e apenas com uma lição simples para tirar como conclusão. The Wild Robot é uma verdadeira cebola, tais são as camadas que apresenta e a vontade de chorar que traz aos espectadores.
Focar-me-ei principalmente em duas perspectivas, menos recorrentes, em filmes recentes. A perspetiva da maternidade e laços de cuidado é profundamente tocante. O instinto de criar, proteger e desenvolver uma criatura de diferente origem biológica transcende todos os arneses de preconceito e diferença que afastam os corações mais inseguros da empatia e do amor.
A Natureza é retratada de forma lindíssima, imperial e devastadora mas também como um ecossistema biológico de socialização e aculturação para todas as espécies. É na Mãe Natureza que a Robô Roz encontra estrutura e pergaminhos para a sua própria maternidade. É na natureza que se encontra a interdependência de todas as espécies e onde são replicadas de forma inconsciente, pelas personagens (mas com mestria pela produção) os conceitos de casa, família e inteligência.

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O conceito do filme não é indiferente também à camada recorrente retratada atualmente entre o conflito da inteligência artificial e do mundo natural. Em tempos em que falamos e enfatizamos o desfoque e desapego por valores e questões realmente importantes em detrimento de validação e reconhecimento de desconhecidos através de canais digitais, este filme faz questão de destacar que a força da natureza e do mundo empírico que engole e molda e resume a tecnologia com a sua vigorosidade e inevitabilidade.
A nível técnico e artístico, destaco a capacidade de jogar com as cores e planos. As cores fortes, quentes e impositivas da natureza engolem e escondem as cores mais metálicas e camufladas do robô emprestando a noção de autoridade da natureza sobre a tecnologia que mencionava em cima. A suavização de cores e linhas por parte de Roz mostra também a sua capacidade de adaptação e evolução ao longo do filme. O estilo de desenho mais fluido e textural das personagens animais e da natureza atribui dinâmica e ritmo à história e propõe ao espectador um estilo de animação distinto, mas, ultimamente, muito agradável.
A direção de fotografia é ímpar face a outros filmes de animação. Os planos afastados engolem o robô na vasta paisagem e expõe cruamente a solidão e dificuldade de adaptação. Em contraste temos planos muito ampliados que transbordam empatia, felicidade e compromisso.
Em suma, The Wild Robot deixa muito sumo ao espetador. Deixa muita emoção e uma trama que prende e cativa desde o primeiro minuto.
Será um robô capaz de amar? Acho que sim, minha senhora.