Há três anos, Florian Zeller surpreendeu o mundo do cinema com “The Father”. A estreia magistral de Zeller levou Anthony Hopkins a conquistar um segundo Oscar de Melhor Ator. Agora, tal como no primeiro filme, Zeller aborda um assunto de peso, embora “The Son” seja uma narrativa mais tradicional, sem nenhum dos saltos de tempo tortuosos da sua obra-prima em torno da questão de Alzheimer.
Peter (Hugh Jackman) é um advogado de sucesso e aspirante a político, que, depois de se divorciar, refaz a sua vida com Beth (Vanessa Kirby), com quem tem um filho, Theo. Incansavelmente focado no trabalho, Peter não passa muito tempo com eles. Não obstante, Kate (Laura Dern), a sua ex-mulher, entra em contacto com ele devido às preocupações que nutre em torno de Nicholas (a estreia de Zen McGrath em cinema) – o filho de ambos – de dezassete anos, quando descobre que ele está a faltar às aula. Nicholas, que vive com a mãe, decide mudar-se para casa de Peter e Beth, alegando que uma mudança de casa pode ajudá-lo a sentir-se melhor consigo próprio, todavia, essa solução não promete nutrir frutos.
A maior parte da longa-metragem gira em torno da reconciliações, ou da falta delas, de emoções e memórias passadas que Nicholas e o pai vão amealhando. As lutas das personagens são intensas e o filme tenta despertar-nos nesse sentido.
“The Son” é, claramente, feito com a melhor das intenções. Zeller elabora uma história sobre a forma como os pais se relacionam com os filhos, bem como a luta de criar um filho quando a vida não se desenrola da forma como se idealizou. O personagem de Jackman ama desesperadamente o filho e quer ajudá-lo, mas não está preparado para isso. Ele parece completamente perdido durante todo o filme, enquanto mantém a aparência da unidade familiar perfeita no trabalho.
A participação especial – excelente, por sinal – de Anthony Hopkins, como pai de Peter, acaba por ser, a meu ver, o órgão vital para a interpretação do filme, uma vez que temos a visão sucinta sobre o tipo de educação que Peter recebeu. O argumento de Zeller sugere a noção de trauma geracional, de pais incapazes de evitar prejudicar os filhos, por mais que pensem que estão a fazer as coisas de maneira diferente. (Nota: Hopkins não está a interpretar o mesmo personagem de “The Father”, sendo que as duas histórias não estão ligadas.). Por conseguinte, o verdadeiro protagonista de “The Son” é o pai de Nicholas.
Este é, para mim, o elemento mais interessante do filme: Peter gostaria, mais do que qualquer sucesso na carreira, de ajudar o filho, e tenta de todas as formas estar perto dele, mas devido à forma como foi educado, não possui as ferramentas que lhe permitiriam compreender Nicholas e assim ajudá-lo da forma que o jovem precisaria. Esta desconexão, esta incapacidade de Peter de estabelecer uma comunicação emocional eficaz com o filho – apesar de todos os seus esforços – revela-se como uma incapacidade pela qual Peter não é culpado, já que ele próprio é vítima do próprio pai – e este é o verdadeiro coração trágico da peça.
Portanto, se a figura de Peter, na sua tristeza trágica, é extremamente bem sucedida, graças também ao desempenho doloroso de Hugh Jackman, paradoxalmente o mesmo não se pode dizer do personagem de Nicholas, que é retratado de uma forma demasiado estereotipada: o seu mal-estar é mais folclórico do que sentido, é mais expresso em palavras do que realçado através de imagens, como um bom filme deve fazer. E o jovem Zen McGrath, apesar do empenho num papel que não é de modo algum fácil, nem sempre consegue transmitir o que deveria, acabando por transparecer uma abordagem vaga em termos de performance.
Desta feita, Florian Zeller não dá a Nicholas a autenticidade que pode ser percebida no carácter de Peter, que também se revela problemático devido à previsibilidade do enredo, que, ao contrário de “The Father”, mantém uma linearidade constante e termina de uma forma intensa mas bastante expectável. Uma doença como a depressão, por outro lado, teria talvez merecido um tratamento mais articulado e menos óbvio, que tivesse vivido à altura da sua complexidade.
Com “The Father”, Zeller tinha-nos conquistado acima de tudo pela forma como demonstrou o seu domínio da linguagem cinematográfica, perfeitamente integrado na narrativa. Aqui, o estilo de realização dá um passo atrás em relação ao seu trabalho de estreia, parecendo bastante desvirtuado tanto na fotografia como na edição. Existe uma certa predisposição para uma metáfora fácil, e o resultado – embora atinja o lado emocional de forma intermitente – não falha em alguns momentos chave.
Um ponto bastante positivo incide na cenografia, em que as casas das personagens refletem as suas personalidades, com a casa de Kate a apresentar um certo tom floral, presa num passado idílico (os desenhos de Nicholas quando criança pendurado nas paredes), e de Peter, asséptico, moderno, racional, um espelho de uma personagem que tem dificuldade em abrir-se e compreender os outros. Até a casa de Anthony, régia e luxuosa, descreve melhor o carácter do pai de Peter e a influência que ele tem sobre o seu filho. É uma pena, em suma, não encontrar os mesmos vislumbres de mise-en-scene também na realização, ao serviço dos atores e não do mestre da sua própria história.