Tanto o clássico literário de Stephen King como a adaptação cinematográfica de Stanley Kubrick, cimentaram “The Shining” como um ícone da ficção no género do terror. Porém, embora compartilhem a mesma premissa básica, as duas obras não poderiam ser maior antítese.
A adaptação que Stanley Kubrick efetuou de “The Shining” é, indubitavelmente, um marco assinalável no género do terror na sétima arte, todavia, existem certos elementos do livro que foram ignorados de maneira flagrante em favor de uma narrativa psicologicamente desequilibrada.
No livro, o número do quarto do hotel onde ocorrem alguns dos momentos mais arrepiantes, é o 217, contudo, no filme, o número que vigora é o 237.
Supostamente, esta ideia surgiu a King devido ao facto de ter ficado hospedado no quarto número 217, do Stanley Hotel. No entanto, o filme de Kubrick foi parcialmente filmado num hotel verídico, o Timberline Lodge. Desta feita, foi solicitado que o cineasta alterasse o número do quarto – de 217 para 237 – porque os proprietários temiam perder futuras reservas se os hóspedes fossem convidados a ficar num “quarto assombrado”.
Uma das maiores mudanças entre o romance e a adaptação cinematográfica é a presença da palavra “redrum”. No filme, redrum surge no final, quando Danny é possuído por Tony. Embora este acontecimento venha a despontar uma revelação assustadora do significado real da palavra, acaba por ser muito melhor executado no livro do que na visão de Kubrick.
No livro, redrum surge de forma subtil, começando desde logo pelas visões de Danny e, gradualmente, revela o seu significado no espelho da casa de banho. Tem uma presença mais ameaçadora, que se constrói à medida que o enredo vai progredindo, ao oposto de ser uma revelação dramática como no filme.
Outra mudança drástica entre as duas versões é o uso de fantasmas e entidades sobrenaturais. Na adaptação de Kubrick, os fantasmas estão presentes, mas não apresentam um papel fulcral até ao terceiro ato. A maior parte do clímax gira em torno do isolamento da família Torrance, bem como da perda de sanidade por parte de Jack.
No livro, o hotel Overlook está – passo a expressão – “infestado” de fantasmas. Uma grande parte do romance aborda inúmeros encontros paranormais, realçando a imagem do hotel como uma entidade do mal.
Efetivamente, as duas obras podem ser resumidas de uma forma simples – King é espiritual, Kubrick é psicológico. Com o livro, não há dúvida de que os fantasmas e as ocorrências sobrenaturais são reais. Embora certos personagens (como Jack) tenham problemas que testam a sanidade mental, existe a distinção de que os fantasmas são reais. Kubrick, por outro lado, desfoca a abordagem, mas faz com que o público questione essa possibilidade.
Os sustos de Kubrick vêm de uma combinação de diferentes elementos, principalmente do terror psicológico, mas com a presença de alguns seres sobrenaturais. Neste caso, o verdadeiro horror está indubitavelmente relacionado com a ruína em torno da sanidade de Jack.
No livro, Jack Torrance é mais compreensivo e realista. Sim, é um alcoólatra em recuperação, mas fundamentalmente é um homem que quer ser melhor. A versão de Kubrick não é Jack Torrance, é Jack Nicholson.
Não existe nada de errado em relação à performance de Nicholson, mas não corresponde ao personagem que deveria estar a retratar. No momento em que o vemos, sabemos automaticamente que vai enlouquecer antes de entrar no Overlook, mesmo que nunca tenhamos lido o livro.
Adicionalmente, a Wendy de King e Kubrick são, na mesma linha de pensamento, opostos polares.
No filme, a interpretação de Shelley Duval dá-nos a conhecer uma rainha estereotipada dos gritos de filmes de terror, que tem demasiado medo de enfrentar seja o que for. No final, acaba por ser mais mais vítima do que sobrevivente, e os fãs do livro deverão notar a diferença cabal sem qualquer complicação.
No romance, para além de proteger Danny a todo o custo, Wendy Torrance enfrenta Jack e sobrevive a vários encontros com espíritos diabólicos.
A omissão da caldeira velha e enferrujada, engloba também o leque de erros graves do filme. Na história, esta caldeira requer manutenção diária, e se não for mantida sob controlo, acaba por explodir. A presença da caldeira é praticamente uma bomba-relógio que cria suspense à medida que o romance avança.
A caldeira é uma das peças fulcrais para catapultar o suspense da narrativa. Sem ela, o enredo sofre com a falta de elementos de intensidade, e é uma das falhas elementares da adaptação de Kubrick.
Por fim, resta fazer menção ao final, uma das mudanças mais chocantes na adaptação. O romance termina com o hotel a incendiar-se devido ao facto da caldeira ter atingido um nível demasiado elevado de super aquecimento, e a explodir num autêntico inferno aterrador.
O filme faz exatamente o contrário: Jack Torrance morre congelado enquanto está à procura de Danny no labirinto. Talvez Kubrick quisesse um final mais arrepiante e ofereceu a King um ombro frio, mas muitos fãs concordam que o final apresentado no livro é um cenário mais apropriado para esta sinfonia.