Sessenta e quatro anos depois de ter surgido pela primeira vez em cinema, Clint Eastwood, que celebra o seu 89º aniversário no próximo dia 31 de Maio, parece não estar cansado de trabalhar. “The Mule” marca o seu regresso à dupla faceta de realizador e ator, algo que já não desempenhava desde “Gran Torino” (2008).
Com o argumento de Nick Schenk e a realização de Clint Eastwood, “The Mule” é inspirado em “The Sinaloa Cartel’s 90-Year Old Drug Mule”, um artigo que Sam Dolnick escreveu para o New York Times em 2014.
Contrariando a tendência atual dos dramas emocionalmente monocromáticos, este filme é uma tapeçaria rica em triunfo, tragédia, humor, tristeza, culpa e perdão.
A longa metragem é baseada na história de Leo Sharp, um veterano da Segunda Guerra Mundial que se tornou famoso por ser horticultor. Posteriormente, começou a transportar droga para o Cartel de Sinaloa durante quase dez anos.
Em 2011, numa altura em que já tinha oitenta e sete anos, Sharp foi capturado, no entanto, a pena estipulada foi de apenas três anos de prisão. Aliado à demência que tinha, o seu advogado alegou que a permanência no estabelecimento prisional poderia afetar ainda mais a sua saúde. Desta feita, Shape cumpriu somente um ano de pena, e acabou por falecer em 2016.
Em “The Mule”, Eastwood interpreta Earl Stone, um octogenário que se encontra falido e sozinho. Para atenuar o processo de falência da sua empresa, Stone aceita um trabalho onde lhe é solicitado que conduza um veículo.
Todavia, de um momento para o outro, percebe que foi contratado por um cartel de droga mexicano. Por não representar uma ameaça visível para as autoridades, aumentam-lhe o carregamento sistematicamente.
Porém, tudo se torna mais complicado quando Colin Bates, um agente da DEA (a agência anti-narcotráfico dos Estados Unidos da América) começa a suspeitar da situação.
Em contrapartida, a maioria dos eventos que retratam a vida familiar de Earl Stone não se baseiam na sua contraparte histórica. Estas mudanças, especialmente quando se trata da vida pessoal do personagem principal, melhoraram substancialmente a história e acrescentaram profundidade, drama e substância ao enredo.
Desta feita, Eastwood não contou a história de Leo Sharp ao pormenor, mas usou-a como um trampolim para criar outra muito mais interessante.
É difícil não comparar “The Mule” a “Gran Torino”. Tal como Walt Kowalski, Earl Stone também é um homem politicamente incorreto que tem dificuldade em adaptar-se ao mundo moderno. Ambos são veteranos da Guerra da Coreia, e perderam pessoas importantes nas suas vidas.
Enquanto que Kowalski luta e sacrifica-se para ajudar a sua comunidade, Stone abraça uma vida de crime para melhorar a sua situação financeira. Ele não é um herói, mas aprende a colocar a família à frente da própria ambição, e acaba por encontrar o perdão dos que lhe são mais queridos.
Com bastante humor à mistura, a forma como Eastwood retrata essa distância entre Stone e a família é brilhante, porque consegue justificar o motivo pelo qual o personagem decide voltar-se para o trabalho, ao passo de ficar ao lado da família.
Tal como o próprio Stone afirma no filme:
“You’re right. I thought it was more important to be somebody out there than the damn failure I was here at my own home.”.
Embora destaque a importância da família, a verdade é que, até ao terceiro ato do filme, a maior preocupação de Earl está relacionada com a sua obsessão em “colocar o dinheiro em cima da mesa”. A partir daí, o arrependimento inesperado começa a ser o verdadeiro motor que impulsiona o final mais sentimentalista do enredo.
Bradley Cooper, Michael Pena, Taissa Farmiga, Andy García, Diane Wiest e Laurence Fishburne são alguns dos nomes que contracenam com Eastwood. Inclusive a sua filha Alison aparece neste filme.
Embora conte com um elenco de peso, o trabalho de alguns desses intervenientes (como é o caso de Garcia e, primordialmente, Fishburne) acaba por ser inexplorado, ao passo que Cooper acaba por receber destaque primordial, apesar de retratar um papel secundário.
Contudo, esta preferência não deverá ser espantar, e, em boa verdade, ambos têm uma dinâmica bastante boa nas cenas em que contracenam.
Seja como for, Cooper protagonizou “American Sniper” no passado, e, recentemente, ocupou a cadeira da realização em “A Star Is Born”, filme que, curiosamente, esteve na calha para ser realizado por Eastwood.
Ao contrário de outros thrillers a que nos habituou ao longo dos anos, Eastwood exalta uma descontração desmedida em “The Mule”.
Aqui, existe uma simplificação de estilo natural, onde o esquema da câmara é simples e direto. Deste modo, não é de espantar que a realização espartana chame a atenção do público para as performances.
Para trás ficam as cidades e vilas empoeiradas de Eastwood que, tal como a família de Earl, são vítimas do mesmo abandono trágico. Como resultado, este filme é não só o elogio para um país que o octogenário vê a desmoronar-se lentamente, como também a metáfora para quem compensa décadas de ausência com maços de notas.