“The Last Duel” entrega destaque a três personagens principais: o cavaleiro Jean de Carrouges (Matt Damon), a sua esposa Marguerite de Carrouges (Jodie Comer) e o escudeiro Jacques Le Gris (Adam Driver). Contado em três partes, o filme recria a história verídica em torno da violação de Marguerite, a partir da perspetiva de Jean, o marido, também da visão de Jacques, o culpado, e, por último, do próprio relato da vítima.
O filme começa com os dois homens prontos para o duelo antes de partir para a narração de Jean. Do seu ponto de vista, assume-se como um líder corajoso que, certa vez, numa batalha, salvou a vida de Jacques. Ambos foram melhores amigos por algum tempo, mas tudo mudou quando uma das batalhas fracassadas de Jean fez com que o Senhor a quem serviam, o conde Pierre d’Alençon (Ben Affleck), perdesse terras importantes.
Grande parte da perspetiva de Jean centra-se no seu retrato de mártir e, mais tarde, na sua relação com Marguerite, sendo que faz questão de frisar a sua posição honrada e de marido amoroso. Quando soube da violação da esposa, apelou ao rei para um duelo, a fim de se fazer justiça.
Jacques, por outro lado, vê Jean como alguém tolo e insensível. A sua perspetiva retrata Jean como um imbecil que tem fome de poder e respeito. Não reivindica qualquer papel na queda de Jean em desgraça, visto que acredita que a sua popularidade cada vez menor se deve à personalidade insuportável.
Não obstante, no que diz respeito a Marguerite, Jacques acreditava que ambos tinham uma ligação romântica – muito mais forte do que o casamento que Marguerite pretendia. Desta feita, na visão de Jacques, ambos estavam apaixonados e que, por conseguinte, Marguerite fora uma parte disposta ao que ele considerava sexo consensual. Quando a notícia da violação se espalhou por Paris, Jacques sentiu-se enganado e manteve a palavra de que nunca cometeu o ato. Mais tarde, reuniu amigos poderosos e membros da igreja para apoiá-lo e, assim, aceitou de bom grado o duelo contra Jean como prova de que era inocente.
E, claro, a perspetiva mais importante de todas vem no fim, ou seja, a de Marguerite. Na sua ótica, Jean não era o marido amoroso que afirmava ser. Era um homem frio, distante e controlador. Quanto às suas interações com Jacques, Marguerite achava-o interessante, mas mantinha uma certa distância. Apesar das tentativas fracassadas de fazer com que Jean a amasse da maneira que ela merecia, Marguerite permaneceu leal e obediente ao marido. Sempre que Jean estava fora, ela exercitava a sua independência e passava a maior parte do tempo a fazer amizade com os criados ou a fazer compras pela cidade. Quando contou a Jean sobre a violação, ele foi tudo menos compreensivo. Em vez de compreender a dor da esposa, Jean interpretou o ato como um ataque pessoal de Jacques à sua pessoa. Marguerite teve que forçar um caminho para obter algum tipo de justiça, mesmo que isso significasse bater às portas da morte.
Para simplificar, “The Last Duel” gira em torno do tópico da violação e sobre como cada personagem aborda o assunto. Embora o filme não tente influenciar o público com as várias perspetivas, pode ser estimulante para os espetadores, especialmente porque o caso é contado não uma, nem duas, mas três vezes de uma assentada.
Depois de ouvirmos as três versões, sabemos que só resta um desfecho, isto é, o rumo do filme fica com cerca de 30 minutos de ação restante quando o duelo acontece realmente. E o duelo é, sem sombra de dúvida, magnífico. Driver e Damon retratam de forma incansável os dois personagens a tentarem matar-se da maneira mais bárbara, enquanto a bela Comer fica parada e observa com receio. É a cena mais emocionante e satisfatória de todo o filme, contudo, talvez não fosse necessário demorar cerca de 2 horas para surgir.
O título do filme é baseado no facto deste incidente ter marcado o último duelo judicial oficialmente reconhecido em França, e a narrativa fragmentada também reflete a realidade de nunca se ter sabido a verdade, já que os historiadores têm estudado e debatido o conteúdo deste caso, especialmente quanto aos eventos que ocorreram.
Embora haja, como sempre, um grande trabalho técnico de Ridley Scott, não se pode deixar de pensar em muitas outras formas de como a história poderia ser contada com justiça, sem ter que forçar o público a recordar a mesma cadeia de eventos três vezes seguidas durante os 152 minutos. O filme poderia simplesmente entregar ênfase ao acontecimento em análise, e espelhar a forma como cada personagem lida com as repercussões simultaneamente, em vez de dividi-lo em três capítulos diferentes. Porque, efetivamente, não é como se cada capítulo se desviasse muito um do outro na maioria das partes.
É interessante ver o trabalho de Comer, isto depois de “Free Guy”, a interpretar uma personagem tão desafiante. Driver e Damon retratam personagens dos quais não se sente empatia, por isso, é normal que, perante este duelo, não haja um “herói” ou protagonista principal para apoiar (além de Marguerite). Apesar das performances fortes de Comer, Driver, Affleck e Damon, a escolha de contar a mesma história em três capítulos quase semelhantes foi, para mim, desanimadora.
Porém, “The Last Duel” não deixa de ser um resultado importante e corajoso. É uma tentativa poderosa de fazer uma declaração que muitos prefeririam não ser feita de forma tão clara e ousada. Devemos ficar chocados com o que vemos neste filme, analisando a ignorância e a misoginia latentes naquela época, enquanto sabemos que, atualmente, existe ainda um longo caminho a percorrer para ajudar as mulheres que sofrem estes atos de pura cobardia, maldade e que são uma autêntica vergonha.