A Netflix conta com alguns projetos para desafiar a Academia na presente temporada de prémios. Uma das suas mais recentes obras é “The King”, baseado numa coleção das peças de William Shakespeare. Embora seja uma peça de época bastante versátil, com uma prestação forte de Timothée Chalamet, o resultado final acaba por ser menor que a soma das partes.
Em “The King”, Chalamet é Hal, o filho mais velho de Henrique IV, rei de Inglaterra (Ben Mendelsohn). De tal forma enfurecido com as ações do pai, o príncipe abandona a corte real para viver numa espécie de taberna, onde se torna amigo de John Falstaff (Joel Edgerton).
Todavia, quando o pai morre, a linha de sucessão termina, e ele, mesmo tendo um irmão mais novo, acaba por não ter outra escolha senão assumir o trono. Na condição de novo líder, Henrique V parece inaugurar uma era de paz para o seu povo, contudo, terá de tomar decisões que prometem definir o tipo de líder que é, bem como o futuro do país..
Michôd projeta “The King” como uma obra para grande ecrã, mesmo sem chegar a esse destino. Esta história de Shakespeare é, sem sombra de dúvida, grandiosa, mas Michôd trata-a de forma modesta.
A cinematografia de Adam Arkapaw é bem calculada com tons de cores visualmente mudos. A direção de arte segue o mesmo requisito, com o guarda-roupa vitorianos, incluindo as armaduras de batalha e os cenários que usam principalmente a luz natural.
Estruturalmente, a história escrita por Michôd e Edgerton leva um pouco de tempo a avançar, apesar de explorar algum material temático interessante sobre a natureza da guerra. As perguntas que o próprio rei coloca fornecem um bom alimento para o pensamento, mas, ao mesmo tempo, o filme mantém o espectador à distância.
Infelizmente, este fator acaba por influenciar o impacto emocional pretendido na batalha, todavia, Michôd faz um bom trabalho a encenar as peças a nível técnico e demonstra um grande interesse pela ação.
Chalamet lidera o elenco com um carisma surpreendentemente indiferente. O seu retrato do príncipe apático, cujas escolhas na vida são muitas vezes ambíguas, carrega a mensagem simples da história sobre o desafio da ingenuidade de um líder.
A demanda de Hal para assumir o trono vai muito mais além do que um simples corte de cabelo. O príncipe rebelde não tem outra opção que não amadurecer, transformando-se num rei relutante. O desempenho marcante de Chalamet ajuda-nos a entender um jovem que procura o que é melhor para o seu povo.
No momento em que Michôd discute o heroísmo do rei Henrique V, também leva o público a estudar o personagem a partir da justaposição com outros, cada um com características pessoais que influenciam o jovem rei. Mendelsohn é deslumbrante ao retratar Henrique IV, um epítome dos seus vilões anteriores, uma figura que Hal evita tornar-se a todo o custo.
A representação de Edgerton, na qualidade de mentor de Hal, pode ser um pouco excessiva, mas o seu personagem é fundamental para entender a visão de guerra do personagem principal. Se Falstaff é a mão direita de Hal, William Gascoigne, de Sean Harris, é a mão esquerda e, como sempre, Harris esconde-se perfeitamente na imagem de conselheiro imprevisível.
No canto oposto, Hal é desafiado pelo Delfim da França, retratado com um certo nível de paciência por Robert Pattinson. Pattinson acaba por injetar energia à ação, com uma abordagem que não funciona para todos, mas que se torna definitivamente um dos elementos mais memoráveis da longa-metragem.
Compreensivelmente, “The King” não vai ficar na boa memória do público no que toca a fundamentos históricos (longe disso). Adicionalmente, não promete também gerar burburinho para a temporada de prémios (como outros filmes que a Netflix vai apresentar este inverno), mas, em contrapartida, não deixa de ser um trabalho digno de destaque.
Já podem ver “The King” aqui.
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