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The Father: O Silêncio de um Inocente

by João Pedro

Florian Zeller fez a sua estreia na realização com “The Father”, que adaptou para o grande ecrã com Christopher Hampton. A história é baseada numa peça de teatro do próprio Zeller. Com uma performance totalmente cativante e comovente de Anthony Hopkins – a âncora do filme – este drama incide num homem traumatizado e, por adição, com demência. Zeller explora a dor da personagem, presa no seio da sua memória já gasta. “The Father” é inquietante, dolorosamente triste, mas fortalecido pela narrativa segura do seu criador.

Em “The Father”, a história é contada a partir da perspetiva de Anthony (personagem que Anthony Hopkins retrata), que fica desorientado, irritado e frustrado quando recorda memórias específicas, que não parecem alinhar-se com o que está a acontecer. O público vê as suas interações com várias pessoas – a filha Anne (Olivia Colman), a cuidadora Laura (Imogen Poots) ou o homem misterioso que ele não consegue identificar no início (Rufus Sewell).

Seja como for, fica cada vez mais claro que Anthony está a passar por vários momentos ao mesmo tempo. É difícil saber o que é real, o que está presente e quem é quem, com Anthony a falar frequentemente com alguém que ele acredita ser Anne e o marido, embora sejam interpretados por atores diferentes.

Os factos sobre a vida da filha nunca são certos para Anthony. No meio da sua confusão crescente, surgem momentos de clareza, tingidos com sentimentos de intensa tristeza, e uma posse que ressalta a falta de controlo à medida que a mente de Anthony desliza ainda mais.

Zeller oferece uma realização confiante na sua estreia. De forma hábil, navega no espaço cognitivo para se envolver com a confusão da personagem principal, enquanto faz referência a alguns pontos da história que clarificam o que está e não está a acontecer (embora seja necessário ver o filme mais do que uma vez, para estudar as maneiras emocionantes em que Zeller configura e explora a história).

© Sam Gleason

O filme tem todos os adereços de uma peça adaptada para o cinema – o uso de um cenário limitado, com os personagens a entrar e a sair das divisões de uma casa e, posteriormente, dentro de uma espécie de lar. No entanto, a obra nunca se sente restringida por estes cenários. Em vez disso, Zeller emprega o espaço para aumentar o desconcerto e a confusão. Um apartamento, aparentemente espaçoso, não pode ser mais acolhedor, mas é assustadoramente claustrofóbico à medida que Anthony percebe que algo não está certo.

Os momentos em que Anthony olha pela janela do quarto, como se esperasse por alguém ou quisesse escapar dos limites da sua condição, a deteriorar, combinam perfeitamente com cenas que transmitem exatamente o oposto. Por exemplo, Anthony é incrivelmente possessivo com o seu apartamento e com o relógio. Por temer a perda dos seus pertences (ou que pensa ser seu), acaba por acusar tudo e todos, sempre que o seu raciocínio vai contra o que ele acredita.

Enquanto o público é arrastado para o labirinto da mente de Anthony, os momentos mais fundamentados em “The Father” surgem com Anne, de Colman, que é paciente e amorosa, mas está desgastada e presa entre manter a força ou querer chorar, enquanto vê o pai a piorar sucessivamente. Colman, como sempre, é excecional. Embora o filme não seja tão focado nela como em Hopkins, as suas emoções estão igualmente à mostra.

“The Father” retrata Anthony como um personagem plenamente realizado. Isto é, o cineasta não está interessado numa história que possa manipular emocionalmente o público, e que obrigue as pessoas apenas a simpatizar com este homem. Zeller fornece um estudo de personagem, enquanto se envolve com uma história que parece tão fragmentada quanto a mente da personagem, e tudo isto sem desculpar o seu comportamento.

© Sam Gleason

Anthony é charmoso e divertido, mas também é profundamente cruel, ao cuspir palavras ofensivas para a filha (enquanto a compara com a irmã), ou ao gritar com a cuidadora. O retrato de Hopkins é brilhante. Ele move-se de forma perfeita, de uma emoção para outra, transmitindo a perda devastadora, a confusão e o terror característico que acompanha o controlo a deslizar sobre a mente e as memórias. Observá-lo, enquanto começa a entender o que está a acontecer, é fascinante e angustiante ao mesmo tempo.

Também existe uma nota reforçada, e importante, sobre a admiração e o respeito que devemos ter pelos profissionais que trabalham com idosos. A ternura, paciência e empatia necessárias que administram ao prestar os seus cuidados, são retratados de forma brilhante por Olivia Williams e Imogen Poots.

Num filme de tal origem teatral, os destaques são as performances e o argumento, mas gostaria de realçar o trabalho de Zeller na realização, uma vez que soube posicionar a câmara nos lugares certos para permitir que os intérpretes tivessem a liberdade de expressar todo o retrato pretendido.

A montagem é fundamental, principalmente na segunda metade, já que o filme possui elipses que o fazem sair do tom teatral, e também estão em linha com o desenvolvimento do enredo.

A edição de Yorgos Lamprinos é discreta, mas eficaz. Talvez nenhum filme desde “Mother!” – e esta é a única faceta que os dois filmes têm em comum, além de títulos semelhantes – tenham empurrado o público de forma tão eficaz para a realidade de sonho flutuante, que entrega uma série de viragens sombrias. As reviravoltas também são apoiadas de forma sublime pela banda sonora de Ludovico Einaudi (Einaudi passa por um grande momento na carreira, já que a sua música também sustenta “Nomadland”).

“The Father” é um filme perturbador, mas também é compassivo. Os membros da família de pessoas que sofrem de demência, podem evidenciar um retrato empático de como esta desorientação deve ser sentida por dentro. É um dos filmes mais perturbadores da minha memória recente, mas é compreensivo e inesquecível.

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