Arrisco-me a dizer que, no cinema contemporâneo, talvez não exista uma saga com um trajeto tão estranho como “The Fast and the Furious”. Que me recorde, não são muitas as sagas que se dispõem ao absurdo da reinvenção completa. Neste ponto, com nove filmes e um spin-off, Fast & Furious é um universo cinematográfico que define uma geração, mas que optou por seguir um caminho muito acidentado.
Tudo começou na forma de drama (modesto) em torno das corridas de rua, com um entusiasmo sincero pela cultura dos carros. Porém, ao longo do tempo, esse espírito foi dando espaço a uma vertente mais semelhante ao que podemos encontrar em jogos como Grand Theft Auto.
Seja como for, talvez o quinto filme seja o que consegue juntar o melhor dos dois, numa obra repleta de ação (mas com relevância). Posteriormente, as restantes três sequelas continuaram ao longo das linhas de extravagâncias de espionagem internacional, com cada membro do elenco a aprender ou a revelar que já conhecia a arte do kung fu. Em adição, foram também surgindo celebridades conhecidas de todos os cantos de Hollywood, com vista ao retrato de personagens secundárias, vilões ou certos clichés das suas “personas” típicas no grande ecrã.
Superficialmente, estes filmes incidem no espetáculo da testosterona e do gasóleo , mas, por baixo do capô, insistem em transmitir um verdadeiro coração a bater; ora pretendem ser melodramas familiares, como, no minuto seguinte, já somos apresentados a cenas de pancadaria sem apelo nem agravo.
Em adição, à medida que a relação dos filmes com as leis da física foi ficando mais grave e (permitam-me a expressão) tosca, a história também tomou caminhos imprudentes. A juntar a isso, as quezílias fora do ecrã também levaram a alterações no destino das personagens, simbolizadas, por exemplo, pela ausência de The Rock neste “Fast 9”. Mas não há problema. Quase todas as restantes personagens principais e secundárias da franquia regressam, e até existem brindes novos, como o Jakob de John Cena.
Em contrapartida, não obstante a catrefada de falhas, o filme mantém um entusiasmo turbulento traduzido na mitologia própria que os fãs vão apreciar.
Desta forma, para um filme tão obcecado por “carros de 10 segundos”, “Fast 9” demora bastante a começar. Parecia tudo demasiado exagerado e familiar. Os cenários, mesmo os aparentemente decentes, que tão bem souberam espelhar perseguições alucinantes (como, por exemplo, em campos de minas), dão espaço a acontecimentos bem mais estapafúrdios. Todavia, quando atinge o seu objetivo, o filme atinge um resultado – através de pneus barulhentos, física lunar e sentimentalismo – mais preponderante do que os últimos dois ou três conseguiram juntos.
Se vale a pena juntar as tropas para mais uma missão, que, dada a conjetura que nos apresentam, parece importante, isso não justifica necessariamente a maneira excessivamente familiar de chegar lá. A dada altura, Tej (Chris ‘Ludacris’ Bridges), Roman (Tyrese Gibson) e Ramsay (Nathalie Emmanuel) são forçados a tirar Dom (Vin Diesel) e Letty (Michelle Rodriguez) da reforma auto-imposta.
Presume-se que devemos ficar preocupados com o desaparecimento de Mr. Nobody (Kurt Russell, que surge apenas num ecrã de tablet), ao mesmo tempo que Cipher (Charlize Theron) está de regresso. De facto, para incentivar o início dos trabalhos, Tyrese chega mesmo ao ponto de ter de recordar Dom, de forma hilariante e desajeitada, o seguinte: “That’s the woman who murdered the mother of your child!”. Não fosse ele esquecer-se de tão preciosa informação. A partir daí, começamos a desbravar mato até aparecer Jakob (John Cena), o irmão há muito perdido de Dom. E, como seria de prever, os irmãos têm alguns problemas sérios por resolver.
A introdução de Jakob parece a última viragem numa franquia que atinge patamares cada vez mais ridículos. Todavia, os seus problemas com Dom transformam-se em todo o enredo do filme, por isso, não é um desenvolvimento insignificante. Os flashbacks também são interessantes porque, efetivamente, fazem lembrar os primeiros filmes (particularmente o primeiro e o quarto).
Há uma quantidade surpreendente de peso emocional sobre o filme, que não é exatamente conquistado, mas que beneficia do tipo específico de alquimia que vemos muitas vezes em cinema: a raiva narrativa de um patinho feio que, por fim, reencontra o irmão de ouro. Perentoriamente, podemos rir e balançar a cabeça com muito do que vemos ao longo do tempo, mas, de alguma forma, todos ficamos curiosos com o que o capítulo final da franquia terá para oferecer.