Imaginem este cenário, estamos cheios de problemas na nossa vida mas decidimos ir ao cinema ver um bom filme. O filme, que não tem culpa de tais problemas, será sempre associado a esses momentos menos bons, o que faz com que criemos logo uma espécie de repúdio com o mesmo. Agora basta substituir o filme pela música “I Disappear”, que apareceu, sem sombra de dúvida, no pior momento da carreira dos Metallica!
Filme: Missão Impossível 2
A banda proveniente de São Francisco tinha tido uma década de 90 atípica. Começaram muito bem com o malogrado Black Album que os tornou estrelas estratosféricas e depois dois álbuns (Load e Reload) e um novo visual que foi difícil de digerir pelos fãs.
Ainda assim no final da década, os Metallica voltam à ribalta com concertos especiais no Woodstock ’99 e com a orquestra sinfónica de São Francisco, mas após estes acontecimentos tudo viria a descambar, o que torna I Disappear ainda mais especial.
Tudo isto começa em 1997, quando John Woo começava a ser um nome obrigatório no panorama de filmes de acção após a chegada de Face Off aos cinemas. Então, a Paramount Pictures, detentora da saga Missão Impossível, convida o realizador para o segundo capítulo. O primeiro, segundo a crítica, era quase uma cópia dos primeiros filmes de James Bond e assim a Paramount tentou uma vertente de acção mais explosiva e megalómana, algo que era a especialidade de John.
O filme tornara-se em algo completamente diferente do primeiro capítulo, muito mais abrangente e para um público muito mais universal que o anterior e para capitalizar esta ideia, este teria uma banda sonora a condizer. Os Metallica foram convidados para produzirem o tema principal da banda sonora.
I Disappear há muito que estava gravada. Originalmente, estava programada para sair no álbum Load de 96 mas estes decidiram que era melhor incorporá-la antes no álbum seguinte, Reload de 97… o que também acabou por não acontecer. Assim ao serem convidados para a banda sonora, decidem repescar a música ao invés de criar algo novo.
Dito isto, a música estava praticamente pronta um ano antes da data de estreia do filme (Maio de 2000), faltando apenas alguns arranjos técnicos e sonoros para a versão final e é aqui que começam os ditos problemas…
Num domingo de verão de 99, Lars Ulrich (baterista dos Metallica) depara-se com a versão quase final da música a passar na rádio pública americana e isto foi um choque visto que era quase impossível esta ter sido tornada pública sem a sua autorização. Os Metallica decidem então fazer “uma caça às bruxas” para descobrir a fonte do problema que a tinha propagado.
Após uma busca exaustiva através de redes informáticas, chega finalmente o site responsável por tudo… O Napster.
O Napster para além de disponibilizar para download a música, continha quase todo o catálogo dos Metallica e também raridades de concertos que nunca tinham sido editados em CD.
A banda declarou guerra ao Napster e a todos os sites que forneciam músicas ilegais. A jogada podia ser algo normal mas o problema é que o mundo estava a caminhar para a era do mp3 e dos formatos digitais em geral e nitidamente os Metallica não tinham a noção desse boom, onde acabaram por gerar mais inimigos do que aliados. Fãs revoltados prometeram nunca mais comprar nada da banda e neste momento os Metallica já eram figuras de proa por este motivo.
Muitos acusavam a banda de estar ultrapassada e obsoleta e sem saber onde era o lugar deles no mundo e é um facto que este processo arrastou-se por anos a fio… Os Metallica acabariam por ganhar o processo contra o Napster, mas nessa altura já havia muito mais sites com download ilegal e os serviços de streaming de música começavam a dar os primeiros passos.
O filme abre com uma sequência icónica e pouco relevo para a história. Estamos a falar na cena de escalada de Tom Cruise sem duplo no Monument Valley e, aproveitando tal popularidade, os Metallica decidem gravar grande parte do videoclip de I Disappear no cimo do dito.
Para tal a banda, respectivos instrumentos musicais e material de gravação tiveram de ser transportados de helicóptero. Um avião de pequenas dimensões estava escalado para gravar as cenas ao longe e assim foi durante 12 horas, altura em que ventos fortes assolam as filmagens… tão fortes que levaram consigo a bateria de Lars, algo que a banda quis manter na versão final do video.
Após todo este processo de gravações, a banda fica a saber que afinal a música principal da banda sonora seria Take a Look Around dos Limp Bizkit e esta usava o riff de guitarra inspirado no original de Missão Impossível. Os Limp Bizkit, contudo, tinham outros planos para a música (faremos um episódio a explicar) e assim deixaram espaço para que I Disappear fosse o tema principal pelo menos nos Estados Unidos.
Entretanto o baixista dos Metallica, Jason Newsted, decide deixar a banda após o lançamento do single alegando que nunca pôde participar no processo criativo das músicas e que todas as notas que tocava eram impostas pelos outros membros.
Pouco tempo depois de Jason sair, James Hetfield (o vocalista) deixa a banda sem aviso prévio. Mais tarde fica a saber-se que tinha dado entrada num centro de desintoxicação para acabar com o vicio do álcool.
James só voltaria à banda em finais de 2001 para começarem a gravar o álbum St. Anger. Para colmatar a ausência de um baixo, o produtor do disco, Bob Rock, tocou com os restantes membros. Em 2003, Robert Trujillo junta-se à banda. Todas estas peripécias estão documentadas no filme Some Kind of Monster.
I Disappear marca sobretudo o fim de uma era, não só nos Metallica mas também no mundo discográfico, pois foi a prova viva de que a era digital tinha tornado todo o processo de um disco ultrapassado. A partir deste momento sabíamos que nunca mais iríamos ter a rotina de ir comprar um disco quando este estava na Internet, mas se há banda que conseguiu recuperar disto foram os Metallica que começaram a olhar para esta era não como inimigo, mas como uma panóplia de novas oportunidades de negócio, tornando-os mesmo numa das dez bandas mais rentáveis de sempre.