“Interstellar”, de Christopher Nolan, é um thriller de ficção científica alucinante. Num futuro não muito distante, a Terra já não é opção, e vários investigadores tentam descobrir novas soluções para evitar a extinção da Humanidade. Nolan escreveu o argumento com o irmão Jonathon, que também trabalhou em “Memento” (2000), “The Prestige” (2006), “The Dark Knight” (2008) e “The Dark Knight Rises” (2012).
Parafraseando “The Dark Knight”, não temos os realizadores de prestígio que precisamos, mas sim os que merecemos. E um dos que aparentemente merecemos é o próprio Christopher Nolan, um cineasta com um sentido visual afiado.
Para além do tom sombrio, existe um clima melancólico neste filme, que é um dos ativos mais poderosos de Nolan. Sentimos o desespero e apatia que cercam as pessoas da Terra, à medida que fica claro que o planeta está a protagonizar um golpe de Estado contra o ser humano.
A comunidade científica acredita que a solução pode estar nas pontes de Einstein-Rosen, um tipo de portal que efetua a ligação entre mundos paralelos, independentemente da distância entre eles. Adicionalmente, também testemunhamos a solidão de uma pequena equipa de astronautas, que viaja a uma distância inimaginável, nesta missão casual para salvar a raça humana da extinção.
De forma resumida, no futuro, a vida na Terra é dirigida por socialistas pacíficos (provavelmente a versão apocalítica da direita) que eliminaram a guerra, mas foram incapazes de impedir o crescimento da população e o esgotamento dos recursos naturais. Para alimentar a população humana, quase todo o planeta é coagido à agricultura; mas as catástrofes climáticas e as pestes agrárias desencadeiam (no início do filme) um desastre iminente.
Neste contexto, conhecemos Cooper (interpretado por Matthew McConaughey), um engenheiro que também foi obrigado a sucumbir à vida no campo. Na sua condição de viúvo, mora com os dois filhos.
Murphy, a filha de dez anos, alega receber sinais simbólicos de um fantasma. Embora não acredite no conceito de fantasmas, Cooper descodifica as “mensagens” em coordenadas geográficas, e procura a localização, que é considerada uma base secreta de pesquisa da NASA, liderada pelo professor Brand (Michael Caine).
Cooper acaba por ser recrutado para pilotar a nave espacial da NASA, numa missão crucial para a sobrevivência da humanidade. Ao que parece, a única maneira de salvar a humanidade é encontrar outro planeta habitável. Mas o problema é o seguinte: não existem planetas habitáveis conhecidos dentro de muitos anos-luz da Terra, e o tempo está a acabar.
No entanto, o professor Brand e os seus investigadores descobriram o tal portal perto do planeta Saturno, que acreditam ter sido colocado de forma conveniente naquele local por alienígenas benevolentes, e que pode fornecer um atalho realístico para outros planetas habitáveis.
Anteriormente, já tinham sido efetuadas três missões, mas nunca foi possível estabelecer comunicação desde que elas chegaram ao local. A missão de Cooper é descobrir se essas missões anteriores encontraram um bom planeta. Se o planeta habitável for encontrado, Brand terá dois planos alternativos:
- Plano A. Resolver o problema de transportar toda a humanidade para esse planeta num um curto espaço de tempo (visto que a Terra tem os dias contados). Aparentemente, a solução envolve escrever várias equações.
- Plano B. Se o Plano A não funcionar, enviar algumas centenas de embriões humanos congelados (presumivelmente com uma ou duas parteiras para assistência) ao planeta recém-descoberto.
Obviamente, o plano A é preferível, visto que o plano B significa que a população humana existente na Terra desapareceria.
Cooper parte na nave espacial Endurance com uma equipa que inclui um geógrafo, um físico, dois robôs que falam inglês e Amelia (Anne Hathaway), a filha do professor Brand.
Eles acabam por descobrir as três missões anteriores, lideradas separadamente pelos cientistas Miller, Edmunds e Mann. Primeiro, seguem para o planeta de Miller, mas surge um buraco negro cujo campo gravitacional é tão forte, que provoca a dilatação do tempo – uma hora neste planeta corresponde a sete anos atrás na Terra.
Cooper, Amelia e o geógrafo deixam a Endurance para visitar o planeta, mas acaba por ser desastroso. O planeta é inabitável, Miller está morta, e, nas poucas horas de visita ao local, passaram vinte e três anos na Terra, e também na Endurance.
Esta mudança de tempo acaba por ser o elemento principal da história: quando Cooper e Amelia regressam à Endurance, permanecem inalterados, só que os restantes tem vinte e três anos a mais, incluindo o físico que, entretanto, já tem cinquenta.
A filha de Cooper, Murphy (Jessica Chastain), está na casa dos trinta anos, e encontrou ofício na Física. Desta feita, trabalha no laboratório do professor Brand para promover o Plano A.
Pouco antes de Brand morrer, ele confessa-lhe que considera o plano A teoricamente inatingível. Porém, Murphy prossegue com os seus cálculos, na esperança de encontrar uma solução para o Plano A. Portanto, passam a existir duas linhas de ação paralelas: (a) Murphy na Terra a trabalhar irremediavelmente no Plano A e (b) Cooper a protagonizar a missão espacial.
Ao longo de “Interstellar”, a ação avança rapidamente, mas a nossa satisfação final dependerá de como a narrativa evoluir de maneira coerente.
Na maioria dos filmes, existem duas linhas narrativas principais: uma linha de ação que envolve algum objetivo no mundo externo do (s) protagonista (s), e uma linha narrativa que envolve a evolução de um ou mais relacionamentos.
Num filme de ficção científica, o fio da ação é composto por um aspeto científico que desafia as mentes dos protagonistas e do público. O realizador deve apresentar algo que seja cientificamente imaginativo, mas que também seja cientificamente plausível. E, a meu ver, o desafio é cumprido nesta longa-metragem.
Existem grandes ideias no filme, e os componentes visuais são tratados de maneira brilhante do início ao fim. Num nível de cinema puro, quase que se exige que “Interstellar” seja visto em IMAX.
O filme é tão imersivo, que quase sentimos que estamos no pináculo da convalescença do buraco negro. Hotye van Hoytema (“Her”), diretor de fotografia, e o designer de produção Nathan Crowley (“The Dark Knight Rises”), fazem um trabalho esplêndido na criação do retrato futurista do nosso Planeta, e das extensões de espaço que a Endurance visita.
McConaughey brilha na pele de Cooper, ao centralizar o filme com a sua decência inata e a visão do mundo comum. Hathaway é impressionante como Amelia Brand, cujo exterior gelado e protegido esconde um núcleo vulnerável. O ladrão de cenas é Bill Irwin, que controla o movimento dos dois robôs da equipa, TARS e CASE, e dá voz ao TARS com uma mistura deliciosa de humor seco e inteligência observacional (CASE, a personalidade mais reservada, é dobrado por Josh Stewart).
Uma palavra de homenagem também para Hans Zimmer, que se destaca bastante na sua banda sonora. O facto de ter empregue o órgão como instrumento musical, fez com que fosse possível incorporar, ao mesmo tempo, a finalidade da morte e os infinitos mistérios do céu.
“Interstellar” é um filme extraordinário, e esforça-se para fazer o que a ficção científica faz da melhor maneira possível: mostra-nos alguma verdade sobre a condição humana através do filtro de descobertas ou teorias científicas.
Pode não ser tão bem-sucedido quanto seria expectável, mas os seus melhores momentos são soberbos. É um filme de primeira qualidade, dirigido por um cineasta que deseja criar obras ambiciosa, seja qual for o género em que esteja a trabalhar.
Nolan depende muito de cenas longas, onde os personagens debatem ou explicam de maneira explícita várias ideias complexas que remontam à Física e Filosofia. É uma tentativa humilde de tentar educar o público, numa reflexão sobre a humanidade diante da morte e da destruição.