Para além de espelhar uma história verídica, “Unbelievable”, da Netflix, aborda um tema preponderante que deve ser analisado com maior sagacidade na sociedade. Por vezes, é quase irrisório que atos de violação possam ser abafados nos tempos em que vivemos. E, efetivamente, a partir do momento em que uma série se propõem a destacar o que as vítimas de agressão sexual passam, então, estamos perante um pedaço de arte excecional. E é verdade. “Unbelievable” é educacional.
“Unbelievable” conta a história de Marie (Kaitlyn Dever), uma adolescente que cresceu num orfanato, e que, certa noite, é violada no seu apartamento. No primeiro episódio da série, Marie fica traumatizada com os acontecimentos; tem de repetir a história indefinidamente e seguir os processos policiais e médicos para abrir o caso.
Na verdade, este episódio é provavelmente o capítulo mais crítico da série, pois revela o resto da história. Parece que Marie mentiu sobre o caso de violação, devido à formação e avaliações psicológicas.
O que me leva ao próximo ponto; esta noção de que uma vítima de violação deve agir de determinada maneira depois de vivenciar algo horrível é irreversivelmente errada. Não há uma maneira científica ou comprovada de prever o comportamento de uma vítima de agressão sexual, e “Unbelievable” focaliza esse aspeto desde o início; a série apela a que o público entenda as variáveis e o trauma causado a milhões de vítimas em todo o mundo.
A premissa restante lida com as consequências da suposta “mentira” de Marie; as lutas das consequências da sua retratação, mas a história acende-se quando somos apresentados à detetive Karen Duvall (Merritt Wever) e a Grace Rasmussen (Toni Collette), depois de um caso de violação semelhante surgir à tona vários anos depois.
“Unbelievable” tem a sua voz própria para destacar a pressão mental que ocorre quando uma vítima está tentar contar a sua história. No caso de Marie, as câmaras são posicionadas de forma a que os investigadores se sintam maiores e agressivos, aproximando-se de Marie para que ela se sinta claustrofóbica e pressionada a ceder e remover a sua versão dos acontecimentos.
As performances são brilhantes; Kaitlyn Dever e Toni Collette são sublimes e garantem que o público consegue ficar bem informado.
Em termos de ritmo e progressão narrativa, os primeiros episódios podem parecer um pouco lentos, especialmente o primeiro e o segundo, todavia, mais tarde, as coisas tornam-se muito mais dramáticas e emocionantes.
O que é particularmente impressionante é a maneira como a série aborda o assunto. Nunca se esquiva das grandes questões e parte do trabalho da polícia parece ser retratado de forma realista. Os detetives trabalham de uma forma verdadeiramente exaustiva para chegar ao fundo da resolução em casos como este.
É algo lento e metódico e quando surge uma nova evidência, parece que também conseguimos sentir o alívio e a euforia que passa pela mente da polícia com as pequenas vitórias. É uma forma inteligente de mostrar esta linha de trabalho, juntamente com o diálogo e os vários termos usados na gíria policial.
No fundo, porém, “Unbelievable” é um “abre olhos” (perdoem-me a expressão) comovente e relevante de como a agressão sexual pode ser devastadora. Uma palavra de advertência: embora eu não classifique nada na série como desmesuradamente gráfico, é uma história pesada que trata esta realidade sem pudor.
Desde a escrita de alto nível, as performances excecionais e a ótima realização, “Unbelievable” é impressionante. É uma série que eu espero que ressoe nos próximos anos.