O cigarro sempre na mão, como se fosse mais uma batuta a ditar o ritmo da sua vida; a camisa desalinhada, talvez às riscas, e um tufo de cabelo. Tal como em “A Star is Born”, pelo timbre e pela figura, Bradley Cooper não só reforça e legitima a sua posição de autor acessível e sinuoso, como continua a misturar cinema, música e vida. Como se de uma partitura se tratasse, “Maestro”, um filme biográfico sobre Leonard Bernstein, parte da figura do genial compositor orquestral – um revolucionário, um vanguardista, um visionário da narração – para se debruçar não tanto nos seus aspectos profissionais mas, especialmente, na relação que manteve com Felicia Cohn.
“Uma obra de arte não responde a perguntas, provoca-as; e o seu significado essencial está na tensão entre as respostas contraditórias.”
Esta frase de Leonard Bernstein surge no início de “Maestro”. É uma declaração de missão para Bradley Cooper, que aqui assume funções de argumentista, produtor, realizador e ator principal. É, acima de tudo, um aviso para os acólitos de Bernstein que vêm a este filme à procura de respostas não contadas sobre a arte do famoso compositor. E é também uma benção para todos os que se queixam de mais um filme biográfico de um músico, como os que têm assombrado os ecrãs nos últimos anos, com as suas histórias de ascensão e queda.
Há sempre harmonia: visual, musical, emocional. Na dor e no amor, seguindo os traços de duas vidas suspensas e cruzadas num tempo pouco convencional, tão sincero quanto livre de ódio. Bradley Cooper é um realizador que se empenha a fundo, ao combinar técnica e paixão, e vai ao encontro da figura de Leonard Bernstein, da própria história e do público. “Maestro” é um filme disruptivo, complexo, mas fácil de ler, e é, sobretudo, profundamente apaixonado pelas pessoas que narra intimamente.
Bradley Cooper faz uma elipse, entre o tom e a substância, para explicar a cinematografia de Matthew Libatique, que desce do preto e branco para as cores saturadas de um cinema de outrora. Quase um cinema de memória. E é da memória que começa. Um telefonema de manhã cedo, avisando-o: o maestro do Carnegie Hall tem de ser substituído. A oportunidade de uma vida, o trampolim para a imortalidade. Porque o Leonard Bernstein de Bradley Cooper é um, mas duplo.
Cooper gosta de falar de músicos: é impossível duvidar disso. Afinal, foi o próprio ator e realizador que declarou que, em criança, ouvia ópera e música clássica em casa e que imaginava dirigir uma orquestra. O sonho tornou-se realidade, mesmo que apenas na ficção, e no seu segundo filme atrás das câmaras, o cineasta troca a guitarra eléctrica – que tinha caracterizado a sua estreia – pela batuta, transformando-se num dos compositores mais famosos do pós-Segunda Guerra Mundial. Se no filme com Lady Gaga, a personagem de Cooper coloca termo à vida depois de acompanhar a ascensão da companheira ao sucesso, em “Maestro” a dedicação da esposa é muito mais subtil, consciente e “motivada”, mas em ambos os casos, no centro da história, está um casal com uma relação assimétrica e a música.
Não há nada de clássico em “Maestro”, algo que se traduz na sua maior força… e fraqueza ocasional. Cooper é como um miúdo de teatro do liceu que conseguiu o papel com que sempre sonhou, tão tonto e encantado que quase salta do ecrã. É quase vistoso demais, fazendo com que a estética da velha Hollywood pareça ainda mais uma ilusão do que já é. Claro que o talento criativo demasiado apaixonado pelo trabalho está no fim da lista de problemas que um filme pode ter. É também assim que Cooper se vê ligado a Bernstein: dois génios que muitas vezes se deixam dominar pela alegria apaixonada do seu ofício.
A realização de Cooper possui o poder de evocar um filme feito durante a década de 1940, com esta cinematografia a preto-e-branco e tecnicolor com o rácio da Academia. Libatique, em sintonia com o trabalho do cineasta, cria, de facto, momentos arrebatadores. E tudo melhora quando chegamos à cena da Catedral de Ely, ambientada em 1973, quando Bernstein dirige a segunda sinfonia de Mahler. É espiritualmente transcendente. A câmara capta todos os momentos à medida que abre caminho entre o coro e a orquestra.
No entanto, este momento (tal como todo o filme) não é só sobre Bernstein, já que o último movimento da câmara revela Felicia, pronta para que Lenny a abrace depois da sua atuação. Sempre esta forma: a música e a relação entre os dois sempre interligadas; com uma brincadeira jovial durante as fases iniciais e uma compreensão mais madura durante os períodos intermédios do seu casamento. Enquanto Felicia é posta de lado mais tarde na vida, à medida que Lenny continua a ter casos com homens mais jovens, Mulligan mantém a sua posição através da pura emoção e da capacidade de se elevar para além do típico papel de “esposa torturada de um grande homem”.
Para algo que pode ser rotulado como “isco para os Óscares”, “Maestro” é, acima de tudo, uma contribuição única e confiante num género bastante desgastado. Não seria talvez rebuscado considerar Cooper como o Warren Beatty desta geração: uma estrela de cinema interessada em histórias de adultos cuja ambição exagerada é igualada pela sua incrível habilidade tanto à frente como atrás da câmara. E se há algo de que o cinema moderno precisa atualmente, é de alguém assim.