Steve Carell entra numa corrida espacial onde tenta cair nas graças do Presidente e da sua “Space Force”, ao mesmo tempo que vê os planos serem constantemente frustrados por potências estrangeiras.
Anunciada pela Netflix em Janeiro de 2019, “Space Force” tornou-se numa das séries cómicas mais antecipadas dos últimos meses, não fossem os seus autores Greg Daniels e Steve Carell, responsáveis por uma série tão marcante como a versão americana de “The Office”. Baseada numa premissa verídica da criação do ramo da Força Espacial pelo presidente dos EUA Donald Trump, a série tinha o conceito ideal para uma sátira política de qualidade.
No entanto, chegamos a 29 de Maio de 2020, em plena pandemia de COVID-19 e com o iminente lançamento da SpaceX que pretende colocar os EUA de volta à corrida à Lua e a Marte e o resultado da série da Netflix deixou muitos espectadores desiludidos. Vamos por partes, percorrer o porquê de uns terem aceitado o que lhes foi proposto e outros terem rejeitado por não corresponder às expectativas.
Sem mais demoras, “Space Force” é uma série que, apesar das suas falhas, vê-se muito bem. O primeiro episódio, bem ritmado, com uma premissa interessante e um final hilariante, faz-nos aguardar por algo mais e com episódios curtos, quando damos por nós, já vamos na reta final da primeira temporada. Mas a verdade é que esse algo mais não chega por completo e o sentimento é ambíguo. A aguardada série cómica de sátira política acaba por não ser assim tão cómica e nem arriscar na sátira política.
Nos EUA vários críticos argumentam que estamos numa época em que se torna extremamente difícil satirizar o ridículo da administração Trump, mas temos o recente exemplo de “Veep” (que terminou o ano passado na 7ª temporada) e que para uma série que começou na era Obama e que aguardava uma era (Hilary) Clinton, soube adaptar-se à atual era Trump, fazendo evoluir a personalidade de vários elementos da série para se acomodarem aos novos tempos.
Nessa perspetiva “Space Force” até partia com o avanço de ser pensada de origem já nos dias que correm, uma vez que todo o conceito surge a partir de um decreto do próprio Trump. Curiosamente, a ideia inicial de tornar independente a Força Espacial da Força Aérea foi de Donald Rumsfeld, que Steve Carell interpretou em “Vice” de Adam McKay.
O resultado é uma série que faz referências ao presidente, ao senado, à câmara dos representantes… com cópias de personalidades políticas como Nancy Pelosi, Alexandria Ocasio-Ortez… Até temos direito a uma encenação do protesto de “The Handmaid’s Tale” por causa da nomeação de Brett Kavanaugh, mas não passa disso, de breves referências. “Space Force” sempre que parte na direção da sátira política, acaba por nunca ir a fundo naquilo a que se compromete, muito provavelmente para não ferir suscetibilidades, o que só torna tudo mais insípido e desapontante.
Então pronto, se não temos política, sempre temos humor. Pois não… Porque também nisso a série não vai a fundo. O somatório de piadas bem sucedidas conta-se pelos dedos das mãos quando chegamos ao final dos 10 episódios, pois a série também aí parte numa outra direção, tentando explorar a personalidade do protagonista e a sua relação com a filha e a mulher, num desvio de vários episódios que apesar de interessantes e uma mais valia para a série, acabam por deixar a personagem do General Mark R. Naird algures num limbo entre o idiota convencido e o pai numa viagem emocional.
Por falar em General Mark R. Naird, Steve Carell é a alma da série, desde a sua dança para descomprimir ao som de “Kokomo” dos The Beach Boys a abandonar um momento decisivo na sala de controlo para salvar a filha. No entanto, os melhores momentos de Carell são quando contracena com John Malkovich, o calmo mas à beira de um ataque de nervos Dr. Adrian Mallory. Malkovich é das poucas personagens verdadeiramente bem desenvolvidas e com um potencial tão cómico quanto assente na Terra.
De destacar ainda a família do General composta: pela filha Erin Naird, interpretada por Diana Silvers, num papel que promete uma boa carreira para a jovem atriz ; pela mulher Maggie Naird, sendo que Lisa Kudrow trabalha com o que pode numa personagem com a qual devíamos ter passado mais tempo antes de inexplicavelmente ser enviada para a prisão por uma razão que fica por responder ; e pelo pai Fred Naird, no último papel do recentemente falecido Fred Willard, esse sim que nos dá vários dos momentos mais divertidos de toda a série.
O maior erro em termos de personagens é mesmo o Relações Públicas interpretado por Ben Schwartz (que este ano deu voz a Sonic), cuja personagem é muito semelhante ao Relações Públicas de Zach Woods na comédia espacial da HBO “Avenue 5”, que estreou em Fevereiro, também ela com vários problemas de argumento inconsistente e muitas piadas que saíram furadas. Esta tentativa de dar um ar mais atual às séries colocando um relações públicas que falha redondamente a cada situação que tenta remediar, e que todas as outras personagens consideram irritante e querem ver-se livre dele, é um dos erros das séries de 2020 que deve ser melhor trabalhado ou eliminado nas séries de 2021!
Por fim, uma característica muito bem sucedida em “Space Force” é a direção artística e os efeitos visuais. Numa altura em que muitas séries de comédia são aprovadas por terem um baixo orçamento, sabe bem ver uma série sem limites narrativos por questões de dinheiro. Quando “Space Force” precisa de grandes e imponentes instalações governamentais, elas estão lá; quando precisa de macacos e cães a flutuar em naves espaciais e fora delas, eles estão lá; quando precisa de perseguições lunares e sabotagens de satélites e módulos, eles estão lá.
Tudo isso valoriza a série, que em conjunto com um bom elenco, consegue fazer valer a pena esta primeira temporada, que apesar de partir numa direção bem diferente da esperada e de ser pouco humorística e satírica, não deixa de proporcionar bom entretenimento.
“It’s good to be black on the moon.” [Captain Angela Ali, Tawny Newsome]