Apesar de todos os seus filmes serem superficialmente dramáticos, o que me atrai tanto para Kubrick – ainda mais do que o seu tamanho talento como realizador – é a comédia que percorre subtilmente todo o seu trabalho.
Quer seja Barry Lyndon e a sua condenada demanda por fortuna e reconhecimento, Alex DeLarge e a sua sede de violência, ou Joker e a sua busca pela verdade em plena guerra, Kubrick compõe as suas histórias com um conceito que, no seu estado mais puro, visto fora de contexto, é inteiramente ridículo.
Esse conceito cai no poder destrutivo da arrogância: é a confiança, um valor tão respeitado na personalidade de outrem, a raiz de todos os males que se abatem sobre os protagonistas. É a deliciosa ironia de que o sucesso do passado resulta na ruína do presente.
Talvez esta ideia seja mais niilista que absurda, mas é esta noção de natureza fantástica que a sua ficção tem e o seu comentário ao ser humano – de que tudo aquilo pelo que trabalhamos apenas aperta o nó à volta do nosso pescoço – que leva ao absurdo extremo, e é isso que, por si, tinge o drama com humor.
Paths of Glory não é diferente dos outros. Não é tanto um sermão pelos males da guerra, mas sim a exposição das consequências extremamente reais e insensíveis da arrogância de uma nação. Kubrick balança entre a sátira mordaz de Strangelove e a visceralidade crua de Full Metal Jacket para mostrar o absurdo de comandantes a tratar soldados como armas, ou até cães.
Não é engraçado ao ponto de fazer gargalhar, mas ver uma figura de alta patente sugerir casualmente que a melhor forma de controlar os soldados é matar alguns para dar o exemplo atinge-me pelo horrífico pensamento de que esta linha de raciocínio existiu ou ainda existe, e pelo hilário e absurdo pensamento de que estas pessoas eram ou são biologicamente humanas.
Apesar de Paths of Glory ser um soco no estômago, o conceito de alguém que está tão desapegado do valor da vida – especialmente das vidas dos homens que deverá proteger e liderar – é semelhante a ouvir um lunático chamar à sua cela almofadada um autocarro.
Assim é a guerra. Corta-se um braço para prevenir uma infeção no pé.
Paths of Glory é intemporal. Desde as performances e a sua mensagem até ao estilo distinto de Kubrick que se alargou por quase 50 anos, não há nada que indique que este filme foi feito uma década depois da Segunda Guerra Mundial. Não só passa de um filme de guerra para um drama de tribunal para algo muito maior, fá-lo de uma forma tão natural que transcende o próprio meio a que está fisicamente apegado. Paths of Glory é imensamente maior do que o encapsula. É cinema.