O facto de Disney ter a Hulu como complemento ao seu serviço de streaming nesta guerra de titãs no mundo do entretenimento é uma das melhores regalias que o público pode obter. Especialmente na Europa (e, consequentemente, Portugal), que tem os serviços da Hulu dentro da Disney+, no sector conhecido como Star.
Neste momento, um dos melhores exemplos do sucesso desta parceria é termos ao nosso dispor um dos filmes mais tenebrosamente realistas e hiper cativantes do ano em “Fresh”.
O filme de estreia da realizadora Mimi Cave e escrito por Lauryn Kahn conta-nos a história de Noa (Daisy Edgar-Jones) que conhece um homem encantador e charmoso em Steve (Sebastian Stan) e que criam uma ligação de imediato. Com a promessa de passarem um fim-de-semana juntos fora da cidade, Noa vê-se presa numa situação de vida ou de morte, à medida que vai descobrindo o negócio macabro e canibalesco em que Steve está envolvido.
“Fresh” repousa todo o seu potencial nos ombros dos seus dois protagonistas e no empenho dos actores para dar vida às suas personagens. E é inegável que ambos se entregaram, de corpo e alma aos seus papéis. Com uma química instantânea, depressa nos convencem em tudo o que vimos no ecrã, do momento mais banal ao mais insólito.
Onde isto é ainda mais perceptível é no próprio Sebastian Stan, que tem aqui muito possivelmente o papel mais desafiante da sua carreira até ao momento. Até mesmo nos momentos em que tem de encantar Noa (e a audiência), nunca se esquece na sua performance o passado da sua personagem e o futuro da história a ser contada, levando-nos por um caminho de Síndrome de Estocolmo perigoso e que apenas com dedicação ao papel é que ele conseguiria gerar.
Isto sem nunca tirar o crédito a Daisy Edgar-Jones, que nos dá uma Noa com várias camadas – desde a uma jovem ingenuamente à procura de um parceiro para vida a uma mulher guerreira que não descansa até salvar a sua própria pele a das pessoas que a rodeia. Depois de apenas ter brilhado em séries de televisão (como a sua Marianne em “Normal People”), este pode ser um papel que catapultará a carreira desta jovem actriz.
Mimi Cave realiza “Fresh” com uma visão que poderá ser chamada de – e desculpem-me a expressão – refrescante. Apesar do seu pequeno budget, Mimi faz todos os possíveis para que o filme seja o mais profissional possível, com uma completa noção do espaço e de uma edição acutilante, se nunca perder o foco a mensagem de empoderamento que pretende difundir.
Muito desta excelência vem em parte da incrível fotografia de Pawel Pogorzelski (“Hereditário”, “Midsommar”), que transporta o filme para todo um outro universo de desconforto, ao utilizar extremos close ups em carne crua a ser cozinhada e o máximo de POV´s possíveis de forma a colocar o espectador no cenário em questão sempre que a tensão o pedia.
Apesar de ter os seus caminhos curtos no que toca à caracterização das personagens secundárias e a, até mesmo, poder alongar um pouco na explicação do twist final e do envolvimento de uma certa personagem no grande esquema do argumento, a realidade é que “Fresh” é uma lufada de ar fresco e um prato bem servido por parte do mundo indie do Cinema. Mas uma demonstração de que boas histórias e bons filmes, por vezes, não vêm dos corredores das grandes produtoras, mas sim das mentes de bons contadores de histórias.