O ano que corre está a ser marcado pelo amplo retorno de inúmeros realizadores conceituados. Entre eles David O’ Russell, que nos últimos tempos ficou marcado, acima de tudo, pelas controvérsias que o envolviam na sua relação com colegas de profissão, do que propriamente pelo trabalho que realizou na década passada. Já lá vão sete anos desde que Joy (2015) estreou, logo, este regresso aos grandes ecrãs além de expectativas acumuladas, traz consigo um sentimento de renovação e, principalmente, um elenco enorme.
Amsterdam é produzido pela Regency Enterprises e distribuído pelo 20th Century Studios, tendo estreia marcada, nas salas de cinema portuguesas, muito em breve. Quando uma longa-metragem de médio orçamento como esta é anunciada, juntamente com uma vasta lista de atores, normalmente não é um bom sinal. Pois já foi comprovado vezes suficientes que a extensa quantidade/qualidade do elenco tende a querer encobrir alguma(s) debilidade(s) do projeto. O décimo filme de O’ Russel não é exceção a esta regra.
É impossível não deixar de notar as figuras ilustres que aqui estão presentes, desde antigos prestigiados como Robert DeNiro até aos habituais atores de bolso, da filmografia do cineasta americano, como Christian Bale. Este último é o protagonista da história, Burt Berendsen, um atípico médico e veterano de guerra, que em conjunto com Valerie Voze (Margot Robbie) uma extravagante enfermeira, e Harold Woodsman (John David Washington), também combatente e advogado, formam um grupo de comparsas improváveis.
O trio de personagens encontra-se no período entre as duas grandes guerras, que através de alguns saltos temporais, o público é capaz de estabelecer um vínculo com eles, desde que se conheceram até aos fatídicos eventos que dão mote ao filme. Com um tom descontraído a beirar o humor negro ala irmãos Coen, o enredo acaba por mergulhar nalguns factos verídicos, naquela que foi uma das maiores conspirações para derrubar a paz nos EUA.
Pois para lá das situações e figuras caricatas, está todo um episódio sério e, arrisco dizer, nunca antes visto no que a filmes diz respeito. Contudo devido ao seu desconhecimento por parte do público geral não irei entrar em grandes detalhes evitando estragar potenciais revelações, das quais fui surpreendido. A partir da rutura desencadeada pelo assassinato de Bill Meekins, um notável comandante de guerra, Burt e Harold vêem-se rodeados por um hediondo assassinato do qual são considerados os principais suspeitos.
Nisto a narrativa dá lugar a uma corrida contra o tempo em que Burt e os seus aliados irão bater de frente com uma intriga à escala mundial, colocando em causa o laço entre o trio que se conheceu Amesterdão, o qual terá agora de se unir novamente. No meio disto há todo um cameo fest (contando até com Taylor Swift) de atores, cujas personagens quando não são só mal aproveitadas, servem somente de conveniência narrativa num argumento por si já arrastado, num filme que parece ter o dobro da duração que apresenta.
Embora tenha criticado esta a pouca ou nula utilização do elenco secundário, não posso negar a sua presença em cena, particularmente favoritos pessoais como Anya Taylor-Joy, que na medida do possível e permitido, estão à altura do mérito que lhes é reconhecido. Já casos como Rami Malek deixam muito a desejar, ao recorrer ao mesmo tipo de personagem habitual que tem contracenado nas recentes produções que entrou.
Sendo que um melhor tratamento quanto ao elevado número de personagens, ou até do próprio corte final do filme, na sala de edição, teria amenizado estes problemas drasticamente, tornando o ritmo daquilo que está a ser apresentado mais digerível nas pouco mais de duas horas fílmicas. Problema que é agravado pelas sucessivas ramificações que a história toma até quase ao último terço do filme, ao alternar entre histórias paralelas e flashbacks, que pouco ou nada acrescentam ao cerne principal que é a conspiração política desta longa-metragem.
Sem esquecer de referir aquilo que mencionei no início da crítica, existe uma clara divisão quase que em dois blocos daquilo que é a parte histórica e verídica de outra trágico-cómica com humor negro. Sendo que Amsterdam coloca em pausa o mistério, e consequente tensão que introduz, para se focar nos três amigos e nas suas desventuras na capital holandesa. Ainda que interessantes do ponto de vista de construção e desenvolvimento de personagens, mas que em nada agregam em substância, quanto àquele que vai ser a resolução final da história.
Como se o realizador tivesse em mãos dois argumentos distintos – um sobre amizade em Amesterdão e outro sobre um momento histórico documentado – e por força da vontade de querer ter um elenco robusto proveniente do primeiro guião no segundo, faz uma junção da pior forma possível, saindo ambas as temáticas em prejuízo. Em formato episódio de série, com muita certeza não estaria a apontar estas críticas, porém, é um filme que estamos a falar e David O’ Russel já provou no passado que é capaz de muito mais do que aquilo entregou.
Mesmo quando Amsterdam entra finalmente no trilho certo e vai de encontro ao prometido, dando ênfase a porquê Meekins foi assassinado? Qual a importância do general Dillenbeck? Qual a sua ligação com o crime? Falha, na forma como expõe as respostas as estas questões. Depois de tanto suspense e enigma, O’ Russel recorre à pura exposição (que por sinal é repetida duas vezes seguidas) para explicar toda a história do início e ao fim, e de como tudo se conecta. Menosprezando assim a compreensão do público ao longo do filme acerca das pistas que iam sendo dadas.
Nem tudo é mau, colocando isto de parte, as questões técnicas destacam-se. O rumo da fotografia está bem executado, pois a isto junta-se um dos melhores cinematógrafos da atualidade Emmauel Lubezki (The Tree Of Life, 2011), capaz de recriar os cenários das sociedades da época, através do uso das cores vibrantes, o jogo de iluminação e no enquadramento amplo dos cenários, com grande fidedignidade.
Fora isto e os momentos cirurgicamente bons que realmente entretém, Amsterdam é um filme com pouquíssimo nexo, tal como uma mesa com peças de puzzles espalhadas que não encaixam entre si, ainda que isoladamente se reconheça a sua qualidade. Sendo o trabalho ao nível da organização e coesão da narrativa o maior culpado do insucesso crítico de Amsterdam, que de igual modo se refletiu no insucesso nas bilheteiras internacionais.
Em suma, David O’ Russel entrega uma das maiores desilusões do ano. Um filme que tinha imenso potencial pelo elenco, premissa, valor de produção e cinematografia envolvida, mas que quando a essência do guião é arrastada para o final, com certas escolhas narrativas questionáveis e uma história que não sabe qual, quais e quantos rumos seguir, deita tudo a perder. No fim, serve com mais uma prova naquela regra não escrita, de que grandes elencos, não fazem, nem desencadeiam, necessariamente, grandes filmes.