“The Last Dance” é um dos mais recentes documentários da Netflix. Mostra-nos a era dourada dos Chicago Bulls, é uma ode a todos os fãs da NBA e pisca o olho a quem não o seja! Em maio, chegou mesmo a ser a série documental mais vista, destronando “Tiger King”.
O mundo do desporto, para além de movimentar paixões exorbitantes, é prolifero em nomear heróis que marcam eras como qualquer filme ou banda desenhada, deixando um legado quase inatingível que raramente é posto em causa. Devido a esses feitos, tornam-se lendas palpáveis e comparáveis a deuses de um Olimpo do desporto, tornando-se difíceis de alcançar e de julgar.
Entre estes deuses do desporto há um nome que é impossível de contornar e que se tornou um ícone cultural, apenas mostrando o que valia em jogo: Michael Jordan. A minha geração presenciou toda a sua mestria, onde este mostrava que atingir o impossível deve ser sempre o nosso objectivo e foi assim que se tornou uma figura imortal.
Após quase 22 anos do seu último jogo pelos Chicago Bulls, chega-nos o documentário sobre o derradeiro campeonato ganho por esta parceria quase umbilical, “The Last Dance”.
Este documentário esteve guardado no segredo dos deuses pela ESPN e só viu a luz do dia quando Michael Jordan finalmente deu o seu aval, pois a cláusula assim o indicava. Por outras palavras, mesmo sendo uma propriedade de um canal, o contrato celebrado em 97 indicava que este só seria público se o número 23 dos Chicago Bulls aceitasse que assim o fosse.
Assim, em 2019, o canal de desporto gerido pela Disney recebeu luz verde de Michael e numa parceria com a Netflix o documentário de 10 episódios chegaria a todo o mundo.
A equipa responsável pela montagem final teve finalmente acesso a todo o arquivo da produção que acompanhou a última temporada (1997-98) de glória da equipa de Chicago. Conseguir um passe com o direito a todos os bastidores, balneários e até tempos livres dos atletas era algo quase inacreditável e inatingível de conseguir, mas o facto de no início da época todos saberem que esta seria a última juntos, fez com que dessem a oportunidade única de registar em vídeo todos os acontecimentos da equipa ao longo do campeonato, ao qual o treinador Phil Jackson apelidou de, lá está, Last Dance.
A série documental de 10 episódios está cuidadosamente montada, muito devido ao facto que a equipa fez um excelente trabalho em criar uma linha temporal e narrativa. O processo complexo é o seguinte: Enquanto uma linha temporal acompanha a última temporada, outra linha temporal começa em 1984 quando Jordan chega aos Bulls. À medida que vamos avançando nos episódios, a linha temporal de 84 vai-se aproximando da linha temporal da época de 97-98 ao ponto que o último episódio é totalmente dedicado ao final da época de 98.
Mais do que apenas um documentário, a série consegue transmitir sensações dignas de filmes, onde há suspense sobre resultados finais, há personagens que poderiam ser vilões e há os que são autênticos heróis. Poderíamos simplesmente pesquisar os resultados em qualquer plataforma de busca, mas ficamos de tal maneira presos ao que está a acontecer que fazê-lo seria o equivalente a um spoiler.
Michael Jordan é efetivamente o centro, sendo que a série tenta transmitir tudo o que aconteceu desde que chegou à NBA até ao momento em que abandona a equipa de Chicago. Para além dos momentos de glória, são documentados momentos menos bons, como o seu vício em apostas ou quando decidiu reformar-se por breves meses, mas sempre num tom leviano, visto que Jordan é quem aprova tudo o que acontece neste documentário.
Mas é sem dúvida o grande ponto de interesse, visto que ao contrário do mundo atual, o astro só era conhecido pelas suas performances, logo numa era onde não existia redes sociais era quase impossível saber alguma coisa sobre a sua personalidade. Então, a série mostra-nos um Jordan capaz de tudo para ganhar uma competição, com ideias fixas e extremamente cuidadoso na maneira de divulgar o seu nome. Um exemplo disso, foi a sua recusa em apoiar um político negro para não manchar a sua imagem na oposição, bem como a entrega da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Barcelona, onde o astro esconde com uma bandeira a marca do equipamento, visto que era patrocinado por outra.
Como Jordan não joga sozinho, o documentário dá espaço a todos os que o acompanharam nesta jornada triunfante, bem como aos seus emblemáticos adversários. Temos excelentes testemunhos como Phil Jackson, Scottie Pippen e Steve Kerr, mas a série ainda vai mais longe, mostrando-nos a história de todas estas personagens “secundárias” para tentar não individualizar e ganharmos empatia com estas também. Do outro lado da barricada, temos os adversários e o próprio General Manager dos Chicago Bulls, Jerry Krause, que Jordan responsabiliza pelo fim desta dinastia dourada.
Com uma variedade de personagens com pensamentos tão distintos, The Last Dance começa a ganhar mais ímpeto do que uma mera história de uma equipa de basquetebol lendária. Esta é uma ode para todos os fãs do desporto em geral e esse é o seu grande trunfo, algo que a Netflix já tinha conseguido com F1 Drive to Survive, onde montou um documentário capaz de criar heróis e vilões, ao ponto de gerar novos fãs e reconquistar muitos que já não seguiam a modalidade.
A série consegue agarrar logo o espectador e isso só é possível se for feita por alguém apaixonado pelo material de origem, pois a sua produção está imaculada mesmo com os entraves impostos por Michael Jordan. Sentimos isso quando Jordan lança para um triplo e desejamos que esta entre, criando-nos ansiedade por uma jogada que ocorreu há 25 anos atrás.
Outro aspecto importante de The Last Dance é mostrar-nos a cultura pop da década de 90, recorrendo a músicas, publicidades e noticiários da época. Exemplo disso é a utilização da música Right Here, Right Now de Fatboy Slim no último título conquistado (que coincide com o lançamento do álbum do Dj em 98) e ver um jovem Leonardo DiCaprio completamente fascinado por conhecer Jordan nos balneários.
The Last Dance tem uma montagem excelente que nos cativa e foi uma aposta ganha quando a ESPN decidiu antecipar o seu lançamento (estava previsto sair apenas em junho) devido ao Covid-19, aproveitando o facto de grande parte da população estar confinada. A série teve o condão de, por breves momentos, nos fazer esquecer que todos os desportos estavam parados, dando-nos emoção, angústia e ansiedade e acrescentando a personalidade dos intervenientes. Só temos pena de sentirmos que há coisas que Jordan não quer divulgar ou não aprovou sobre os outros.
Podem ver na Netflix aqui.