“Perto de uma cidade cinzenta sem nome fica a Zona, um lugar guardado por arame farpado e soldados armados, e onde as leis da física são vítimas de anomalias frequentes. Um stalker guia dois homens pela Zona, especificamente para uma área em que todos os desejos mais profundos de um homem são concedidos.”
Esta é a sinopse de ‘Stalker’, um filme de culto da ficção científica do qual não irei falar muito mais.
A corrente de água envolve os três homens enquanto eles avançam pelo Túnel Seco, luz a derramar sobre eles, dando uma sensação visual de ar livre e uma aura claustrofóbica. Decadência vagueia pelo Picador de Carne, como que um esgoto húmido algures no nada. O tom sépia mancha as cenas fora da Zona, como que se fossem uma memória à beira da realidade. Os passos a ecoar num corredor estreito. O verde imponente da paisagem tingido por ruínas cinzentas. A arte de Tarkovsky é a imagem e o som, construídos para infligir emoção.
Os seus filmes respiram e vivem com emoção, desde a frustração da mulher do stalker, o último plano desorientador, os sonhos febris do stalker no leito do rio na Zona. As únicas explicações que recebemos são para personagens ou filosofias; nunca percebemos na totalidade a Zona. O máximo que vemos das armadilhas são as inexplicáveis distorções da realidade. Nunca sangue, nunca dor. O que isto quer passar como mensagem é irrelevante; para mim, isto ressoa no nosso medo pelo desconhecido, o que nos prendeu em tempos, o que nos prende agora. Isto ressoa em todos os frames deste filme.
Tem havido muita discussão nos últimos trinta e cinco anos acerca da mensagem do filme – as três faces da alma humana? Espiritualidade? Mortalidade?
É aqui que traço as minhas observações pessoais, superficiais ou não:
Apesar de não ser religioso, é o que me salta imediatamente à mente: esclarecimento religioso. O Professor (razão) e O Escritor (emoção) procuram respostas, sem terem bem a certeza de qual a pergunta. Ambos têm as suas convicções, mas são ingénuos em relação à dificuldade que advém da demanda pelas perguntas que têm, quanto mais das respostas. O guia, o stalker, vê esta viagem como a sua redenção. Do quê, nunca chegamos a saber.
A demanda até ao esclarecimento total não toma um caminho direto e fácil. Requer auto-reflexão e o ser desprovido de ego. Quando nos encontramos à beira do precipício da verdade absoluta, queremos mesmo mergulhar? O conhecimento absoluto não irá destruir a nossa própria imagem? Conhecemo-nos a nós próprios? Sabemos qual o nosso desejo mais profundo, aquele que queremos acima de tudo? Os dois homens que entram na Zona à procura da sala que lhes concederá o desejo absoluto, sabem qual o seu próprio desejo? E se não, quererão sabê-lo?
“How would I know the right word for what I want? How would I know that I actually don’t want what I want? Or that I actually don’t want what I don’t want? They are elusive things: the moment we name them, their meaning disappears, melts, dissolves like a jellyfish in the sun.”
Para mim, é um exercício inútil tentar escrever uma crítica a ‘Stalker’. Qualquer tentativa de passar para palavras os meus pensamentos irá remover algo especial e pessoal da minha visão do filme, na minha mente. ‘Stalker’ terá um significado diferente para cada um, portanto torna-se redundante explicar-me sobre o filme. Seria tentar explicar algo profundamente experiencial a alguém que não estava lá, no momento – não teriam qualquer forma de perceber.
Manterei ‘Stalker’ perto do coração e da mente. Dentro de mim, protegido. É, simplesmente, um dos maiores filmes feitos. É tudo o que é necessário dizer sobre ‘Stalker’. O resto virá naturalmente a quem o ver.
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