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Snowpiercer: A direção de uma escolha

by Miguel Pereira

Em quase todos os blockbusters que vimos, temos momentos em que o protagonista tem de fazer uma escolha irremediável, que não poderá ser alterada e que poderá mudar o rumo de toda a história. Para que fique claro, creio que momentos como estes são excelentes, e uma base para bom storytelling – mas gostava que não fossem apresentados por diálogo. A questão é a seguinte: como é que mostramos as escolhas de uma personagem de outra forma?

Esquerda ou direita.

É tão simples como uma dicotomia visual, representada pelo olhar da personagem. Esquerda ou direita. É disto que ‘Snowpiercer’ depende: para a esquerda, o fundo do comboio. Para a direita, a dianteira. E assim, movemo-nos gradualmente da esquerda para a direita.

Aliás, podemos ver ‘Snowpiercer’ como a história de um homem que acha que tem de continuar a carregar para a frente, e que tem tudo o que o prende e o torna humano nas suas costas. Cada decisão que ele toma parece basear-se numa variação simples destas duas direções.

© 2013 – RADiUS/TWC

A melhor parte de tudo isto é que Bong Joon-ho mostra a progressão moral destas escolhas sem a dependência de diálogos, o que comprova que as ideias visuais mais simples envergam imensa graça e subtileza.

Há, no entanto, uma sensação claustrofóbica no pensamento de que toda a tripulação apenas consegue olhara para a direção linear que o comboio linearmente percorre, todo os seus conceitos de “mundo” e “realidade” confinados ao interior da sua carruagem.

Slavoj Zizek, um filósofo esloveno conhecido pela sua teoria de ideologia como fantasia inconsciente e estruturante da realidade, disse que é muito mais fácil imaginar o fim de toda a vida no planeta do que uma muito-mais-modesta mudança radical no capitalismo.

Esta filosofia é central no filme, e vital para perceber o simbolismo do comboio que ruma cegamente o vazio gélido da Terra. A primeira vez que o grupo do fundo do comboio vê lateralmente, espreitando por uma das poucas janelas presentes no comboio, a sua reação é a de choque. Todos são incapazes de ver algo mais que morte fora do comboio, portanto o seu foco passa a ser numa única direção: para a frente, para a direita.

© 2013 – RADiUS/TWC

Esta revolução do fundo do comboio não representa salvação para os que estão a sofrer, mas sim para perpetuar o sistema opressor do comboio, tal como muitas revoluções na vida real. A revolução de Curtis e Gilliam é, na verdade, uma peça fundamental para a sobrevivência do sistema. Joon-ho entende isto, e tenta a todo o instante desviar visualmente a nossa atenção para uma parte do comboio: a secção do meio, onde há janelas para o exterior e a palete contida do filme rebenta em todo um esplendor colorido.

É algo óbvio que o meio do comboio representa a classe média de algo bastante próximo da sociedade contemporânea capitalista – educados o suficiente para pensar por eles próprios, mas confortáveis ao ponto de serem facilmente suscetíveis a propaganda e a ideologias. A classe média do comboio é, numa instância, a mais importante e a mais perigosa.

Bong Joon-ho lança-nos um esgar simplista de como um sistema funciona e de como nos devemos tentar educar para não deixarmos a história repetir-se, como um comboio que percorre o mesmo caminho infinitamente, à volta do planeta, sempre em frente.

Cabe-nos a nós escolher. Esquerda, ou direita?

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