Adaptado de um romance de Eça de Queiroz, “Singularidades de uma Rapariga Loura”, de Manoel de Oliveira, conta a história de amor entre um jovem contabilista e uma mulher misteriosa que ele espia pela janela.
Em “Singularidades de uma Rapariga Loura”, Manoel de Oliveira brinca com a nossa sensibilidade de maneiras estranhas, ao estilo de um filme de Buñuel. Nesta ocasião, o realizador dá-nos um conselho claro: desconfiar do amor cego. O filme é baseado num romance de Eça de Queiroz, o célebre autor português.
Macário (Ricardo Trêpa, neto de Oliveira), um jovem nervoso, bem vestido e bonito de Lisboa, surge numa longa viagem de comboio para o Algarve, e decide passar o tempo a falar da sua vida amorosa a uma desconhecida (Leonor Silveira, a musa de longa data do cineasta).
Em flashbacks, ficamos a saber que Macário desempenha funções de contabilista, no armazém do seu tio Francisco. Certo dia, enquanto trabalha no escritório do andar de cima, Macário vê – pela janela aberta de um prédio do outro lado da rua – uma jovem loira chamada Luísa (Catarina Wallenstein).
A seu tempo, o jovem pede permissão ao tio para se casar com Luísa. A permissão não é concedida, e o pretendente é avidamente informado de que, se casar com ela, perderá o emprego e será deserdado.
O rapaz sério, mas um pouco tolo, decide pedir a Luísa que se case com ele, mas não consegue trabalho e, portanto, adia o casamento até resolver a desordem financeira em que está metido.
Desesperado para conseguir dinheiro, Macário viaja para as ilhas vulcânicas em Cabo Verde, na esperança de arrecadar dinheiro suficiente para subsistir. Só que, após uma série de aventuras, o jovem acaba por perder a fortuna que ganhou em Cabo Verde, e o tio suaviza a posição em relação ao sobrinho. Desta feita, o casamento ia realizar-se, só que Luísa não é aquilo que parece.
“Singularidades de uma Rapariga Loura” é um conto encantador e perturbador sobre o amor condenado, onde o protagonista romântico anseia amar uma mulher bonita, que não conhece, e vai acabar por sofrer com o amor não correspondido, porque as suas paixões cegam-no desmesuradamente.
A comunicação entre Macário e Luísa ocorre principalmente entre janelas. As janelas, como tais, são compromissos, ou seja, são aberturas de uma parede que separa o interior do exterior, no meio da terra que não pertence a nenhum dos dois.
Desta feita, a história deveria estabelecer-se numa sociedade nobre e de uma estética rígida, possivelmente ambientada no século XIX, no qual o romance tinha sido escrito. Mas, de repente, vemos o ecrã de um computador e pessoas a pagar com euros.
Oliveira lança avisos sobre o amor à primeira vista, uma vez que exalta a forma como o jovem inexperiente não consegue distinguir a luxúria do amor.
O realizador mistura brincadeira sentimental, arte e ilusão, ao mostrar como o mundo pode girar em torno de dinheiro, roubo e noções tolas (tal como as singularidades do título surgem na sociedade e na loira).
É um filme atemporal, fundamentado nas formalidades do passado e na maneira como os tempos modernos aparentam ser inexoravelmente arcaicos.
Estranhamente, leva-nos a uma viagem pelo mundo rarefeito de Oliveira, e mostra-nos uma Lisboa gritante que poderia ser emoldurada como uma pintura de Georges de La Tour.