Depois de “Melancholia”, o site da Medeia Filmes disponibiliza agora “Secrets & Lies”, de Mike Leigh. O filme foi nomeado a cinco Óscares da Academia, nomeadamente nas categorias de Melhor Filme e Melhor Realização.
O enredo de “Secrets & Lies” é bastante simples, não obstante, fornece uma base sólida para a análise de um conjunto de emoções complexas despertadas por uma jovem que procura a sua mãe biológica e, desta feita, as suas raízes.
Mike Leigh, cujo currículo já incluía “High Hopes”, “Life Is Sweet” e “Naked”, desenvolveu esta história em colaboração com uma equipa de pessoas que conhecia bem e, juntos, criaram uma “fatia rica”, se me permitem a expressão, da vida britânica nos anos 90.
Hortense, uma jovem negra, tem a infelicidade de enfrentar a morte da mãe adotiva. Posteriormente, descobre que a mãe biológica é branca.
A busca por um parente biológico pode ser um artifício enigmático, mas Leigh minimiza o melodrama e usa a procura como um catalisador para uma emoção experimental.
Um pessoa que conhece a sua mãe pela primeira vez quase aos trinta anos, tem permissão para fazer perguntas com franqueza direta, e a mãe de Hortense necessita desse confronto.
Quando Hortense efetua o contacto pela primeira vez, Cynthia não quer conversar, mas a solidão vence e, portanto, acabam mesmo por encontrar-se para tomar um café.
Leigh coloca-as no mesmo plano, de frente para a câmara, para que possamos seguir essa amálgama entre conversa fiada e histeria. Hortense é séria e Cynthia é tagarela.
Esta interação com a filha que perdeu há muito tempo, não é propriamente um ganho para Cynthia. Ela tem uma segunda filha, Roxanne, que criou por conta própria, e que cresceu isolada do mundo.
Por conseguinte, é tão carente e compreensiva como uma criança. Por sua vez, Maurice, o irmão de Cynthia, é um fotógrafo de sucesso, cujo casamento com a fria e egoísta, Monica, está em perigo, visto que ela não consegue ter filhos.
Inconscientemente, esse casal próspero e sem filhos cobiçou Roxanne, sendo que Cynthia passou a ser tratada com desprezo por todos.
Ao contrário de Hortense, todos nesta família são brancos, o que sublinha a noção do filme em torno do facto de sermos produtos indefesos de começos assustadoramente aleatórios.
Adicionalmente, alguns dos estereótipos sociais que marcaram os filmes de Leigh incidem em conceitos próprios. Os ricos são mais uma vez egoístas e estéreis (embora, nesta obra, não seja algo tão exagerado como em “Naked”), e os pobres são confusos e vulgares, mas abençoados com a fertilidade.
Leigh é como um génio na adolescência com alguns maus hábitos, mas que tem um dom para ver coisas que mais ninguém consegue idealizar.
Por conseguinte, os momentos mais engraçados de “Secrets & Lies” acabam por não estar relacionados com o enredo, devido ao facto de espelharem acontecimentos tão simples do quotidiano.
Ao mesmo tempo que conhecemos a história de Hortense, a vida vai sendo escrita. A criança que insiste em enfiar o dedo no nariz; a mulher que expõe imprudentemente uma cinto de ligas ; ou a metade feminina de um casal que faz uma careta, enquanto que a metade masculina apresenta um sorriso tolo, mas comovente.
“Secrets & Lies” é longo, sem ser demorado, pesado ou cansativo. Leigh cria esta imagem magistral auxiliada pelos atores e a sua equipa. É, quanto a mim, o seu melhor filme.
A longa-metragem está disponível no catálogo da Medeia Filmes até às 12 horas do dia 16 de Maio de 2020.
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