11 anos depois da última sequela e sem nada que o fizesse prever, Scream volta a mostrar credenciais de um slasher bastante competente e lançando, quiçá, as sementes para o futuro da saga!
Numa altura em que parece que Hollywood só vê sequelas, reboots e “requels” (termo usado neste filme para classificar soft reboots/sequelas), e ainda para mais contando-se pelos dedos o sucesso destes, é difícil manter um fã crente. Por isso mesmo, quando chega mais um capítulo da saga Scream, é sempre de desconfiar.
Mas se há algo que caracteriza esta saga é o facto de fazer autocrítica, ao ponto de gozar com todas essas tentativas de revitalizar franchises perdidos no tempo. É talvez uma maneira subtil de Scream afastar os fãs tóxicos e ao mesmo tempo manter-se refrescante ao longo de quase 3 décadas de existência.
A juntar aos referidos fatores, há um que sobressai em relação a todos: Scream (ou Scream 5) é um filme de qualidade e merece ser visto, sobretudo por todos aqueles que, como eu, volta e meia desejam um filme de terror físico e não tanto psicológico como tem sido apanágio nos últimos anos. Há inclusivé uma referência a isso na cena de abertura, quando a vítima ao telefone diz que o seu filme favorito de terror é Babadook e o assassino diz que isso não é terror a sério e que prefere os clássicos.
O filme desde o início que tem uma toada direta e sucinta e sem perder muito tempo somos “presenteados” com ataques sangrentos do Ghostface com pouquíssimo espaço entre eles, como se fosse um relembrar do quão astuto este assassino é e sobretudo dar aquilo que nós todos queremos ver… mortes sangrentas e jogar ao célebre “quem é o assassino?”.
As bases de Scream não mudaram. E não é por vivemos noutra época que a saga não dispensa uma boa dose de violência e arrisco-me a dizer que este capítulo é dos que tem as mortes mais violentas e até as mais cruas e isso por vezes supera a própria violência.
Outro fator preponderante é a realização do filme ter um cuidado especial com o legado do falecido Wes Craven. O desaparecimento do realizador fez com que o estúdio tivesse um cuidado redobrado sobre o futuro que daria à saga, chegando mesmo a equacionar-se manter apenas a série e deixar os filmes de parte. Contudo a Paramount decidiu arriscar numa longa-metragem, desde que fosse credível e em respeito ao criador e para isso recorreu a Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, os realizadores por detrás do excelente Ready or Not, e a eles juntaram-se os argumentistas James Vanderbilt e Guy Busick.
Respeitando a obra de Craven, este Scream tenta sobressair de uma simples colagem ou um singelo novo capítulo da saga, tendo espaço para características tão únicas que o evidenciam, sobretudo na fluidez dos diálogos entre as personagens, parecendo o mais natural possível entre o grupo de amigos e sem recorrer a Neve Campbell, David Arquette e Courteney Cox (os três atores do filme original). Devo até dizer que a participação destes “veteranos” só é preponderante quase no final do filme, mostrando que o elenco de novatos acarreta bem a responsabilidade que lhes foi proposta.
A personagem central é Sam Carpenter (Melissa Barrera), que volta a Woodsboro após a sua irmã Tara (Jenna Ortega) ter sido brutalmente atacada por Ghostface, mas há algo que ensombra o seu passado, fazendo com que se afastasse da sua família e da pacata cidade e é o fio condutor para esta nova vaga de ataques.
Para além delas, o grupo de amigos é formado por jovens atores reconhecidos de séries de sucesso, como Dylan Minnette, de 13 Reasons Why, e Jack Quaid, da série The Boys. De realçar também os papéis de Mason Gooding como Chad Meeks-Martin e Jasmin Savoy Brown como Mindy que fazem de irmãos gémeos e parecem genuinamente irmãos, quer pela parecença quer pelas linhas de diálogo tipicamente de… irmãos.
Este grupo de atores aceitou o desafio e o resultado final comprova que aproveitaram, amaram e entregaram tudo o que tinham ao projeto e daí ter referido que os “veteranos” até podiam não ter sido chamados para este capítulo da saga.
Como disse no início desta análise, há momentos no filme que brincam com estado atual de Hollywood, algo que Scream já nos habitou, recorrendo ao franchising fictício criado de propósito para gozar com sequelas e reboots. Falamos claro de Stab, que já vai na 8ª sequela onde Ghostface já usa um lança-chamas como arma e uma máscara de metal… Pequenos momentos que são um autêntico olhar crítico quer para outros quer para a própria saga Scream, a exemplo com o que ocorreu no início de Matrix Resurrections.
Ou seja, só deveria haver sequelas e reboots se estes realmente se justificarem e para que sobretudo não se perca a essência do original e aqui é que Scream (5) ganha. Todas as autocríticas que o filme faz ao facto de já contar com quatro sequelas são assertivas e sobretudo de humor inteligente de alguém que sabe brincar com o seu trabalho, mas são sobretudo momentos de humor que funcionam e que ficam naquela fronteira entre o filme e o espectador sem nunca cair no ridículo.
O aspeto mais fraco do filme, ou talvez menos conseguido é o desvendar do assassino, e aí parece que a realização não criou as camadas de dificuldade para nos surpreender no final. Claro que não vamos revelar, mas desde cedo começamos a montar todo um cenário na nossa mente sobre quem será o assassino e que motivações tem para tal… e no final parece que não foi assim tão complexo chegar à resposta, mas em compensação o local do 3º ato é simplesmente um dos melhores fan service que já vi.
Em relação ao melhor do filme, e como já referi anteriormente, é a criatividade do guião em ter conseguido uma fórmula credível e sustentada para que Scream possa continuar sem precisar dos préstimos do elenco original e pegando no tal segredo da personagem principal que vai apanhar todos de surpresa e que pode ser o mote para futuras sequelas.
Depois de 11 anos, uma série e da partida de Wes Craven, o futuro parecia sombrio para Ghostface e companhia, mas Scream (5) é a prova de que se as coisas forem bem pensadas e bem feitas, esobretudo com as pessoas certas, há sempre espaço para sequelas ou reboots. Scream, a exemplo de Ghostbusters: Afterlife, foi feito com amor e com dedicação, para os fãs, neste caso de terror, simples mas assertivo e essencialmente mostrar algo de novo e não ser apenas um cash grab.
Scream neste momento tem o seu próprio espaço no terror moderno: não é profundo como os filmes de terror atuais e mantém a sua premissa de assassino oculto e posso dizer que talvez à exceção do 3º capítulo, são todos entradas de valor na saga. Afirmo mesmo que Scream 4 é dos filmes mais underrated da década passada.
Ao ver o filme parece tudo uma panóplia de processos simples, mas as coisas para serem simples e funcionais não está ao alcance de todos e muitas vezes criar algo simples é provavelmente o mais difícil. Aguardo ansiosamente por mais mort…sequelas de Scream e espero que não tenha que aguardar outra vez 11 anos.