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Phoenix: Às vezes o amor no calendário, noutro mês é dor

by João Pedro

Após a Segunda Guerra Mundial, os “autores” europeus efetuaram a pesquisa de consequências psicológicas nacionais, o que resultou em filmes como “Night and Fog”, “Hiroshima Mon Amour” e “Germany Year Zero”. “Phoenix” encaixa-se bem neste estilo, com uma perspetiva histórica desatualizada mas que, no entanto, não é indesejada. O filme será transmitido na RTP2 na noite de sexta-feira, dia 18 de setembro.

“Phoenix” analisa temas de identidade, culpa e reconhecimentos falsos, que surgem quando Nelly (Nina Hoss), uma sobrevivente do Holocausto, regressa a Berlim.

Nelly sobreviveu ao campos de concentração, mas sofreu vários ferimentos que a deixaram com o rosto totalmente desfigurado. Lene Winter (Nina Kunzendorf), que trabalha para uma agência judaica, cuida dela e leva-a para Berlim. Após a cirurgia, Nelly apercebe-se que está quase irreconhecível e, por conseguinte, fica desconsolada.

Seja como for, Nelly decide procurar Johnny (Ronald Zehrfeld), o marido, que tudo indica ter sido quem a denunciou às autoridades alemãs. A dada altura, encontram-se finalmente, porém, Johnny não a reconhece. Aliás, não só não faz ideia que Nelly sobreviveu como ainda faz uma proposta invulgar à mulher que, para ele, tem algumas semelhanças com a “falecida” esposa.

Photo by Christian Schulz – © 2015 – Sundance Selects

Desta feita, sem saber, Johnny propõe que Nelly finja ser ela própria e o ajude a reclamar uma herança. Perante a proposta, ela decide manter a fachada para descobrir até onde vai o plano do homem que sempre amou.

Podemos sempre analisar e relacionar Phoenix à ressurreição, e, de facto, Petzold e o argumentista Harun Farocki (que conceberam a história a partir do romance de Hubert Monteihet) brincam com o prefixo desde o início.

No filme, todos tentam reconstruir Nelly, embora cada um à sua maneira e raramente com bons motivos. Johnny quer recriar uma versão de Nelly para proveito próprio, e, não obstante os motivos de Lene sejam muito mais altruístas, ela também está ansiosa para reconstruir uma amiga à sua própria imagem.

Nelly, por sua vez, é atraída pelo que era antes, ao visitar a sua antiga casa e tentar recriar todas as fotografias que puder. Obviamente, ela percebe que está irrevogavelmente mudada.

“Phoenix” é ancorado por um desempenho central incrível de Hoss. Ela está magoada, mas não acabada, reprimida, mas não está em negação, e a trajetória da personagem é comovente, ao exigir várias camadas de emoção.

Esta é a sexta colaboração da atriz com Christian Petzold, e é mais que óbvio que se sentem totalmente seguros nas mãos um do outro. Grande parte da performance nem exige palavras, e, por várias ocasiões, a câmara é somente focada no seu rosto.

Photo by Christian Schulz – © 2015 – Sundance Selects

Ronald Zehrfeld equilibra a falta de moralidade clara de Johnny com minúsculas pistas do homem que Nelly quer que ele seja, ao exaltar um charme infantil que, em resultado da guerra, diminuiu bastante sem desaparece. Johnny não é um Harry Lime porque não demonstra o mesmo gosto por explorar a confusão do pós-guerra, mas é potencialmente um tipo de perigo interessante para Nelly, uma âncora em vez de um motor.

A primeira metade do filme sofre um pouco, não pela ausência de Johnny, mas pelo excesso de memórias e medos de Nelly. Ainda assim, apesar de ser um thriller silencioso, até o impacto das situações mais singelas é amplificado.

Petzold enfatiza ainda mais este silêncio com um cenário da Alemanha do pós-guerra. O Phoenix Club, por exemplo, é um cabaré vistoso que está cercado de escombros, e a iluminação noturna ao redor do local cria sombras espessas.

Há uma tentativa de espelhar o glamour dos velhos tempos, do pré-guerra, especialmente quando uma Nelly cheia de cicatrizes surge nos bastidores. O apartamento que ela divide com Lene – vasto mas totalmente vazio – demonstra as pessoas que se perderam, enquanto que o estúdio microscópico de Johnny sugere que, efetivamente, o que ele perdeu principalmente foi o prestígio.

Tal como aconteceu em “Barbara”, Petzold filma de uma maneira contida e íntima – interiores apertados, ruínas escuras e alguns espaços verdes exuberantes – uma nota sempre presente do passado recente de Berlim.

A banda sonora arquitetada no Jazz, embora evoque tristeza, é um destaque bonito, e apesar de Nelly e Johnny serem apelidados de músicos, o cineasta guarda uma demonstração dessa façanha para o último momento possível, numa das cenas mais memoráveis e fascinantes da história recente do cinema.

Obrigado, RTP2!

Às vezes o amor
No calendário, noutro mês é dor,
É cego e surdo e mudo

E o dia tão diário disso tudo
Da morte volta sempre em vida

Sérgio Godinho

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