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Phantom Thread: A Bela e o Monstro de Paul Thomas Anderson

by João Pedro

Depois de explorar a alma americana (“Boogie Nights”, “There Will Be Blood”, “The Master”) de uma forma esbelta e criteriosa, Paul Thomas Anderson mudou o foco para a Inglaterra dos anos 1950, com “Phantom Thread”. 

“Phantom Thread” é um romance costurado de forma elegante numa certa carência emocional, no seio da moda da alta costura. Por outro lado, o final apetitoso e perverso, reafirma a habilidade de Anderson em criar mundos internos e externos primorosamente conflituosos.

É um autêntico canto de cisne para Daniel Day-Lewis, que faz o retrato temperamental e exigente de Reynolds Woodcock, um estilista conceituado que cria peças de roupa para a fina flor da elite britânica.

Na calha, Day-Lewis contracena com a luxemburguesa Vicky Krieps (“A Most Wanted Man”), que interpreta Alma, que se torna a musa escolhida por Woodcock, e a sempre magnética Lesley Manville (“Another Year”), que dá vida a Cyril, irmã e parceira de negócios do estilista.

A House of Woodcock, de Reynolds, não é só um espaço que respira novas tendências, é uma manifestação em vários níveis do temperamento do seu criador. Reynolds vive para transformar os seus clientes. Ele quer que as pessoas fiquem sublimes sob as rendas, cetins e veludos personalizados quase que de forma imaculada.

É nesta dinâmica que Jonny Greenwood tem um papel providencial, com uma banda sonora que sussurra conforme a interação entre os tecidos e quem os prova. Seria quase como se vestíssemos uma peça de roupa, e cada movimento dessa ação fosse acompanhada pela suspensão do cosmos – forjamos uma aliança entre o corpo e a melodia.

Reynolds está tão imerso nas criações, que quando uma senhora rica usa um dos seus vestidos e bebe demais, ele faz tudo o que estiver ao seu alcance para o recuperar. “Ela não é digna deste vestido”. A criação ganha vida própria e vale mais, muito mais, do que quem tem posses para a adquirir.

Na busca de uma folga daquele mundo tão absorvente, Reynolds vai para uma casa que tem no campo mas, no caminho, decide efetuar uma paragem num café. É lá que conhece Alma, uma jovem empregada de balcão. Há uma atração notória mas reservada.

Numa espécie de momento “My Fair Lady”, Alma acaba por ir morar para casa de Reynolds. Começa a aprender o ofício da costura, e, por conseguinte, não é só uma amante, é uma musa.

Conforme a história avança, descobrem os pontos fracos um do outro (para ele, é inaceitável que alguém faça barulho a comer torradas).  O que fazer? No mundo de Reynolds, iria apenas encontrar outra musa, mas Alma não é uma mulher qualquer. Ela quer desafiar o status de toda aquela dinâmica em torno do génio, não obstante Cyril, a irmã, arquitete sempre uma teia para o proteger.

Será amor verdadeiro? Ou uma companhia afetada pela hierarquia que está definitivamente condenada? Reynolds sabe que Alma não é como as outras, mas irrita-se quando ela tenta apostar em qualquer tipo de afirmação pessoal. E Alma está perfeitamente sintonizada com as vulnerabilidades ocultas de Reynolds, como as frases ou nomes que ele costura nas roupas que só ele conhece.

No argumento magistral de Anderson, Reynolds e Alma são ambos prisioneiros. Enquanto que ele está preso a uma rotina de trabalho e libertação guiada pelo ego, ela vê-se enclausurada numa relação estranha para a sua própria maneira de amar. E é quando a relação chega ao limite, que a obsessão que têm um pelo outro sofre as reviravoltas mais impressionantes.

Anderson é cuidadoso na forma como usa os diálogos, e cria muitas cenas sem palavras para que o público possa pensar o que vai na cabeça de Reynolds, Alma e Cyril. Por mais diferentes que os personagens sejam nos seus comportamento, eles procuram a mesma coisa de maneiras díspares.

Day-Lewis conduz as mudanças agudas de Reynolds em todo o filme, tornando tudo ainda mais credível quando deixa de ser um artista meticuloso, mas profissional e elegante numa cena para, noutra, já ser um um homem petulante e mimado de língua afiada. Krieps, como Alma, não é tão desenvolvida em comparação, mas tem uma elegância adequada.

Nem é preciso dizer que os fatos, vestidos e roupas de trabalho específicos da época, com o cunho de Mark Bridges, são detalhes soberbos, assim como os interiores da casa de madeira de Woodcock e o brilho elegante e nobre das residências em Londres.

Para ver este filme, julgo que temos de estar dispostos a mergulhar. Somos mantidos em cativeiro pela história, pelas performances, pelo piano de Greenwood, e não temos permissão para vir à superfície até ao final.

A dada altura, Reynolds comenta algo deste género: “É reconfortante pensar que os mortos estão a cuidar dos vivos. Não acho isso nada assustador.”

Mais do que apenas cuidar dos vivos, o fantasma de um glamour sedutor é sempre incapaz de se desenvencilhar das nossas realidades banais. Porém, ultimamente, com a presença de uma pandemia, acredito que temos refletido bastante na própria existência.

É uma armadilha pensar que os mortos cuidam dos vivos? Talvez seja só tropeçar na toca do coelho que abarca a nostalgia.

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