In-Yun é um conceito cultural Coreano que, de uma forma espiritual, se propõe a explicar as relações humanas. Para os crentes, um casal é mais do que uma junção amorosa entre duas pessoas. É o resultado de todas as interações que tiveram nas vidas passadas, que formam as camadas necessárias em que se assenta a relação.
Celine Song, que se estreia pela porta grande em longas-metragens, faz uso do In-Yun para desenvolver a história de Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), crianças inseparáveis no Seul dos anos 90. Infelizmente, essa amizade passou a ser um eco no passado quando Nora emigra para o Canadá, e posteriormente, para Nova Iorque, onde conhece Arthur, o seu futuro marido. No entanto, Nora vai restituindo o contacto com Hae Sung ao longo dos anos, recusando-se a largar a memória daquele que foi o primeiro amor da sua vida. É a sua vinda a Nova Iorque que vai a obrigar a finalmente confrontar-se com a decisão que sempre evitou tomar.
Três não é só a conta que deus fez, mas é também o número de pontos temporais (1990, 2012 e 2024) em que a história nos é apresentada. E começamos precisamente pelo mais recente. Surge um plano que enquadra os três protagonistas ao balcão de um bar, enquanto clientes de outra mesa fazem um esforço de imaginação para tentarem adivinhar quem são eles e qual a sua relação. Mas as pessoas tendem a ser mais complexas do que parecem.
Celine Song estreia-se com um exercício meticuloso de estudo sobre o lado prático do amor. Deixando de lado os paradigmas tradicionais em que o verdadeiro amor supera tudo, Past Lives resulta numa introspeção mais séria sobre alguns dos aspetos mais desconfortantes das relações amorosas, e como estas são despoletadas pelas meras circunstâncias da vida contemporânea.
A estreante diretora demonstra uma enorme maturidade ao apresentar esta história de forma holística, transmitindo com sucesso as emoções que as três personagens vão experienciando no desenrolar da ação. Past Lives não é uma arena para Heróis nem Vilões, mas sim para sujeitos que tentam fazer o seu melhor com as difíceis circunstâncias e reviravoltas que lhes vão passando pela frente.
Nem sempre é fácil de compreender a forma como Nora, Hae Sung e Arthur lidam com os obstáculos com que se deparam, especialmente com a forma leviana como Nora aceita Arthur como o seu “amor de conforto”, que faz sentido pois partilham interesses e a sua vida em Seul nunca poderia ser a mesma que leva na cidade que nunca dorme. A opção por cenas longas e bastante pausadas adiciona uma camada de consternação às longas conversas que Celine Song utiliza para nos dar a conhecer todas as personagens até ao mais ínfimo detalhe.
Past Lives modera o seu ritmo ao longo dos cerca de 105 minutos de duração. Nota-se uma flutuação de momentos muito interessante, que pode facilmente levar a audiência a ter de ler entre as linhas ” Que grande história de amor” e ” Esta história está a perder o seu final feliz”. Para aqueles que já tiveram a oportunidade de ver a trilogia Before, do Richard Linkater, encontrarão aqui algumas semelhanças a nível de temática e até da própria construção narrativa.
Um filme a não perder, uma reflexão intimista sobre o amor e o arrependimento, um embate entre a nostalgia e a realidade. Não será tarefa fácil deixar de apontar Past Lives como uma das grandes obras de 2023, e Celine Song como uma força disruptiva e emergente na sétima arte.