One Night in Miami é honesto na sua essência. É uma ode à imaginação. Uma idealização do que quatro conhecidas celebridades no contexto da cultura norte americana poderiam ter debatido se elegessem a política como o tema da noite.
O filme começa por nos proporcionar um vislumbre da vida dos quatro protagonistas. Todos eles encontraram o caminho para o sucesso nas suas respetivas áreas, tendo-se afirmando enquanto ícones do seu tempo. Infelizmente, esse estatuto não foi o suficiente para conseguirem escapar ao poder nefasto do racismo. São vários os momentos no decorrer de One Night In Miami onde é possível explicitamente observar comportamentos e atitudes desrespeitosas perante os protagonistas, por vezes até de forma inconsciente.
Apesar da natureza verdadeira deste encontro, todo o filme é meramente especulativo, visto que ninguém sabe o que foi dito e discutido entre aquelas quatro paredes. Mas numa época marcada pela segregação racial e violência desmesurada contra a comunidade negra, não será intelectualmente desonesto presumir que estas questões vieram à baila no decorrer da noite. Aliás, esse é um dos pontos mais fascinantes do filme, o facto de ser credível. O filme encapsula os traços já muito conhecidos das personalidades dos protagonistas a fim de proporcionar um diálogo que nunca parece descabido, um feito notável, tendo em conta que que foi idealizado desde a primeira até à última palavra.
O exemplo mais prolífico é o de Malcolm X, interpretado de uma forma meticulosa por Kingsley Ben-Adir. Uma personalidade que respirava política no âmbito da luta pela igualdade de oportunidades e de tratamento, era também conhecido pela sua assertividade e, de certa maneira, pela sua propensão ao conflito. Todas estas características são reproduzidas fielmente por Ben-Adir ao longo de One Night In Miami, transformando-se rapidamente no centro das atenções, numa espécie de farol que guia o rumo da conversa à medida que surgem desentendimentos entre ele e outros intervenientes.
Do outro lado do conflito surge de forma prevalente Leslie Odom Jr, que desempenha o papel do cantor e empresário Sam Cooke com grande assertividade, sempre muito seguro do seu papel na luta pela causa da justiça racial, mesmo quando este é posto em causa por Malcolm X. Argumentando sempre com base nos seus ideais próprios, nunca concede perante a feroz e insistente oposição da qual é alvo. Já Cassius Clay (Eli Goree) e Jim Brown (Aldis Hodge) introduzem uma perspetiva mais apaziguadora, numa árdua procura por enfatizar as semelhanças ideológicas que são comuns a todos, ao invés de facilitar que as diferenças se traduzam na fracturação do grupo.
One Night In Miami foi adaptado para o cinema a partir da peça de teatro com o mesmo nome por Kemp Powers, sendo este também o autor do original. Regina King, galardoada com um óscar de melhor atriz secundária por “If Beale Street Coulf Talk”, estreou-se assim como realizadora de uma grande produção, já tendo anteriormente sob o seu nome alguns episódios de séries conceituadas, como This Is Us.
A estrutura do filme enfatiza uma clara preocupação em manter o filme com um ritmo constante, de forma a não alienar aqueles fãs casuais que não se revêm em obras mais paradas. O diálogo não teme em apresentar novos elementos que mantêm a discussão viva, forçando o espetador a enfrentar perspetivas, que sendo díspares, são comuns no seu propósito ideológico.
One Night In Miami é uma celebração dos feitos de um grupo de personalidades que singraram muito para lá do que seria expectável, que conseguiram ultrapassar as limitações que uma sociedade envolta em preconceito lhes impôs. Guerreiros que nunca atiraram a toalha ao chão. Numa sociedade moderna seriam heróis, na deles, foram mártires. Ou talvez não, porque o que é que seria a sociedade moderna sem aqueles que tiveram coragem de a construir?
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