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“Once Upon a Time in America” – Era Uma Vez o Adeus de Sergio Leone

by João Pedro

Vislumbrar “Once Upon a Time in America” não é uma tarefa maioritariamente acessível. Efetivamente, em duzentos e vinte e nove minutos, existe uma infinidade de detalhes, e outras tantas subtilezas, que são difíceis de captar nas primeiras vezes que se assiste.

Por conseguinte, em todas as ocasiões que tive a oportunidade de ver esta obra-prima de Sergio Leone, fiquei estupefacto com os novos elementos que surgem na narrativa.

Em reflexão sobre este filme, podemos afirmar que simboliza a opção de Leone em não ter aceite realizar “The Godfather”. Desta feita, em “Once Upon a Time in America”, o cineasta entrega a sua visão da sociedade do submundo americana, a partir de um grupo de gangsters judeus. Assim, somos guiados ao início dos anos vinte, onde David ‘Noodles’ Aaronson conhece Maximilian ‘Max’ Bercovicz que, juntamente com Cockeye e Pats, começam a construir um império do crime.

Até então, os temas sociais não faziam parte da reivindicação original de Leone à fama, que se concentrava bastante em confrontos “homem-a-homem” no Velho Oeste – nomeadamente com “A Fistful of Dollars” (1964), “For a Few Dollars More” (1965), e “The Good, the Bad, and the Ugly” (1966).

Contudo, depois desses primeiros sucessos, a visão de Leone ampliou-se para incorporar a dimensão social. Embora um deles não seja tão conhecido como os outros dois, o cineasta concebeu três filmes que, posteriormente, seriam conhecidos como a trilogia “Once Upon a Time”, que incluem uma perspectiva sobre as dinâmicas sociais que afetaram a sociedade moderna:

  • Once Upon a Time in the West” (1968) é uma visão implícita de como a disseminação da industrialização, simbolizada pela ferrovia, estava a mudar a trazer o desejo da corporação para o ocidente americano, que era muito centrado no indivíduo;
  • Duck, You Sucker” (1971) simboliza uma perspectiva sobre os fundamentos intelectuais que suportam os impulsos revolucionários modernos;
  • Once Upon a Time in America” é análise em torno do aumento do crime organizado na América sob a forma de “Sindicato” (também conhecido como o National Crime Syndicate).

Para este último filme, Leone inspirou-se no romance semi-autobiográfico “The Hoods” (1952) de Harry Gray (nome real: Herschel Goldberg). Desta forma, elaborou um argumento e montou uma equipa de produção, que incluiu Tonino Delli Colli e Ennio Morricone (os seus colaboradores habituais).

De facto, a fotografia e a música são aspectos essenciais na estética de Leone, e são inclusive preponderantes para que os seus filmes se destacarem na memória dos espectadores.

Em “Once Upon a Time in America”, existem cenas panorâmicas que são habilmente combinadas com os close-ups de personagens dos realizadores envolvidos. Adicionalmente, boa parte da banda sonora de Morricone foi composta e gravada antes da produção para que Leone pudesse utilizá-la no set de filmagem para inspirar as performances.

Apesar das virtudes estéticas e do longo período de produção, o filme não teve sucesso nas bilheteiras. Depois de um período de 10 meses de filmagem (em 1982-83), Leone planeou fazer dois filmes de três horas para o lançamento comercial.

Todavia, os produtores convenceram-no a encurtar o resultado final, o que deu origem à versão de duzentos e vinte e nove minutos para a distribuição na Europa. Para o lançamento americano, os produtores insistiram ainda mais, contra o desejo de Leone, para a conceção de uma versão de cento e trinta e nove minutos, drasticamente reeditada e encurtada (e muito criticada), o que acabou por ser um desastre comercial. Perante esse cenário, Leone não voltou a realizar mais nenhum filme.

A história de “Once Upon a Time in America” gira em torno de três personagens principais do “Lower East Side” de Manhattan, e abrange três sequências de tempo amplamente separadas num período de quase cinquenta anos.

Embora haja uma série de eventos dramáticos e violentos na história, os elementos-chave dizem respeito à natureza desses personagens. Assim, existe a interação enquanto são adolescentes, depois na casa dos vinte e, posteriormente, quando atingem uma idade bem mais avançada.

David “Noodles” Aaronson (interpretado por Robert De Niro) é um gangster e quase o centro exclusivo da história. Ele pode ser violento, até mesmo assassino, quando frustrado, mas também tem um lado sensível. Embora queira ser rico, preza a amizade e a lealdade. Quando assistimos a esta história, estamos a ver um animal implacável que também pretende ser humano.

Fonte: IMDB

Max Bercovicz (James Woods) é um gângster e uma espécie de sócio de Noodles. Também valoriza a amizade, mas a sua ambição predominante supera tudo o resto, e acaba por ser mais calculista que Noodles.

Deborah Gelly (Elizabeth McGovern) é uma jovem que vive no mesmo bairro que Noodles.Esta rapariga sonha ganhar fama como dançarina e atriz. Ela é o objeto dos desejos românticos de Noodles, e ela gosta dele, apesar da sua vida sombria.

Tal como sucede nos outros filmes de Leone, a decoração expressionista é atraente, mas a expressão artística engloba uma característica interessante, isto é, subtileza da atuação. As performances de James Wood e Robert De Niro são superlativas.

De Niro é particularmente bom, precisamente porque reina nestas suas capacidades bem estabelecidas de expressão enfática e apresenta a imagem de uma pessoa mais pensativa, que tenta descobrir como navegar num mundo violento e confuso. Embora violento, também evidencia um lado mais hesitante e introspectivo nas suas relações interpessoais.

Além disso, os atores adolescentes na sequência de 1920 (terceiro ato do filme) também são muito bons. Eles trabalham efetivamente como um conjunto e criam a sua pequena sociedade. Por conseguinte, as fisionomias de vários personagens que são executadas por diferentes atores nas sequências cronologicamente posteriores são surpreendentemente bem combinadas, especialmente as de Fat Moe, Patsy e Cockeye.

Num plano superior, há a perspectiva social que Leone leva em consideração, e que é interessante comparar entre “Once Upon a Time in America” e “Once Upon a Time in West”.

Em “Once Upon a Time in West” existe a representação de que o individualismo brutal, muitas vezes selvagem, que caracterizava o Velho Oeste dá lugar a uma forma mais civilizada e ordeira de interação social. Isto foi simbolizado pela extensão dos caminhos de ferro em direção ao oeste, o que facilitou a introdução e a ligação de formas mais cooperativas e baseadas em normas para as pessoas interagirem. Assim, a expansão da ferrovia significou o declínio do Velho Oeste, mas também representou algo que transformou a sociedade americana de maneira positiva.

Em “Once Upon a Time in America”, há a indicação de que o conceito de crime foi organizado gradualmente, e que está diretamente ligado ao negócio da sociedade americana através do Sindicato. Esta transformação foi ironicamente desencadeada pela revogação da Lei Seca em 1933, o que levou os líderes criminosos do submundo, como Meyer Lansky e Bugsy Siegel, a expandir e organizar as operações numa máquina do crime. A sugestão apresentada no filme incide no facto da lealdade e fraternidade terem diminuído devido a este processo de sindicalização, que veio alterar a sociedade americana de maneira negativa.

Fonte. IMDB

 

O aspecto mais debatido em relação ao filme incide na cena final, que pode ser interpretada de muitas maneiras diferentes pelo público. Perto do fim, existem alguns momentos que parecem não fazer muito sentido e está implícito que certas cenas podem ser nada mais do que uma alucinação de Noodles. Seja qual for a sua interpretação, o final em aberto faz com que muitos o revejam vezes sem conta.

O objetivo do filme parece mostrar o quão atraente o conceito de máfia pode parecer quando somos crianças, como o trabalho se torna mais complexo como crescemos, como as organizações podem estar infiltradas em vários cantos da sociedade, e como é fácil perder tudo quando se tem demasiado poder.

Todas as interações têm um toque de tristeza. São pessoas que estão sempre muito perto da felicidade e da grandeza, mas que nunca conseguem abraçá-las. O ingrediente mais trágico e comovente é, sem dúvida, o caso entre Noodles e Deborah; o incidente que os separa é um acontecimento verdadeiramente agonizante e o encontro em 1968 apenas enfatiza o que poderia ter sido.

Na sua génese, o realizador projetou cuidadosamente uma narrativa para recusar explicações ou interpretações exatas, já que muitas das cenas e configurações do filme recapitulam a noção de que tudo acaba por voltar ao ponto de partida.

Os produtores tiveram a destreza de transformar “Once Upon a Time in America” num desastre de bilheteira, porém, ainda assim, Leone teve a genialidade de fazer com que a obra perdurasse na memória de várias gerações dos amantes de cinema.

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