Nomadland, de Chloé Zhao, arrecadou três Óscares da Academia, incluindo na categoria de Melhor Filme. Esta obra incide no retrato de uma mulher que embarca numa realidade nómada, após a perda da identidade pessoal e profissional. Esta mulher é Fern, interpretada por Francis McDormand, que também arrecadou a estatueta de Melhor Atriz.
Com a realização de Chloé Zhao, “Nomadland” é uma reelaboração da obra de Jessica Bruder (“Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century”). O filme estreou no festival de cinema de Veneza e, de seguida, foi exibido no festival de cinema de Toronto. É uma obra comovente, com uma performance tipicamente comprometida de McDormand.
Jessica Bruder é uma jornalista que escreve para a revista Harper, o jornal Washington Post, e leciona na Escola de Jornalismo da Universidade da Colúmbia. Em “Nomadland”, Bruder examina a realidade dos americanos mais idosos, cujas vidas foram drasticamente alteradas, em particular, pela recessão de 2008.
Após várias décadas a trabalhar numa empresa de materiais de construção, Fern, uma mulher de 60 anos, é despedida. Sem nada que a prenda à cidade de Empire, no Nevada, onde sempre viveu com o falecido marido, decide vender o que tem e fazer-se à estrada.
O filme, ambientado principalmente em 2012, mostra a relação que Fern acaba por tecer com um grupo de nómadas, que lhe ensinam a ver o mundo de uma maneira completamente diferente.
Muitas das personagens do filme são nómadas reais, incluindo Linda May, Bob Wells e Charlene Swankie. Muitas das histórias que ouvimos ao longo da obra, como a de Linda, que ponderou cometer suicídio em 2008, são verídicas.
Fern também conhece pessoas mais jovens, como Derek. Para mim, um destes encontros incide numa das cenas mais comoventes do filme. Derek, um jovem quieto e modesto, explica que tem uma namorada, mas que as cartas que lhe envia não são muito importantes. Fern sugere que ele envie poesia e que recite, para o seu benefício (e para o nosso) uma das obras mais requintadas da língua inglesa, o décimo oitavo Soneto de Shakespeare (Shall I compare thee to a summer’s day?…”).
Em contrapartida, a série de empregos sem saída, e às vezes extenuantes, a que Fern se candidata, são cenas que espelham o período da Grande Depressão. Uma época em que várias pessoas vagueavam pelo país, muitas vezes aturdidas, prontas a fazer qualquer coisa que as mantivesse com a cabeça à superfície.
Em termos de enredo tradicional, “Nomadland” não tem muito mais a oferecer. Em vez disso, o argumento de Zhao adota o formato quase semelhante ao de um documentário.
Os espetadores acompanham o dia-a-dia de Fern e, portanto, cada momento da sua vida parece profundamente pessoal. Mesmo algo pequeno (como alguns pratos partidos) consegue causar impacto, como se a pessoa que está a assistir fosse a própria Fern. Nesse aspeto, a performance de McDormand parece uma extensão da própria atriz. Isso entrega um nível extra de autenticidade ao filme.
Joshua James Richards faz bom uso das paisagens extensas pelas quais Fern viaja, e a banda sonora de Ludovico Einaudi aumenta nos momentos certos para enfatizar esses cenários. Em mãos inferiores, “Nomadland” pode parecer desarticulado, mas Zhao tece os pormenores num resultado atraente.
“Nomadland” não é o meu filme preferido do ano passado. Confesso que não seria a minha escolha para arrecadar o Óscar de Melhor Filme, embora considere totalmente justa e merecida a atribuição do prémio de Realização a Zhao.
A abordagem mais silenciosa e esparsa pode não parecer atraente para todos, mas há algo universal na história de Fern que causa impacto no público. O trabalho de Zhao, juntamente com a prestação de McDormand, obriga-nos a refletir sobre a forma de encontrar alegria nas pequenas coisas, a cura após feridas devastadoras e, acima de tudo, a conexão humana. Atualmente, estas mensagens são mais vitais do que nunca. E ainda assim, “Nomadland” pode resistir ao teste do tempo.