Depois de algum tempo afastada das luzes da ribalta e do grande ecrã, Jennifer Lawrence, vencedora do Óscar de Melhor Atriz pelo seu papel em “Silver Linings Playboy”, regressa às salas de cinema, afastando-se (pelo menos, por enquanto) das grandes sagas e franquias cinematográficas que lhe deram o estatuto de verdadeira estrela de Hollywood. O seu regresso à frente das câmaras caracterizou-se, de facto, por uma escolha criteriosa de papéis e projetos progressivamente mais pequenos. No ano passado, protagonizou “Causeway”, um filme da Apple realizado por Lila Neugebauer. Em 2023, foi a vez da comédia pura e dura, com este “No Hard Feelings”, no qual a atriz se entrega com talento, carisma e um savoir faire insuspeito.
Maddie (Jennifer Lawrence), uma rapariga que trabalha como motorista de Uber, arrisca-se à falência financeira e a perder a casa da mãe depois de ficar sem viatura própria. Para evitar esse cenário, a jovem aceita uma proposta invulgar. Com vista a resolver a postura introvertida do seu filho Percy (Andrew Barth Feldman), de 19 anos, um casal coloca um anúncio online a solicitar o auxílio de uma rapariga que encoraje o filho a ter uma primeira relação íntima. O pagamento pelo serviço? um carro Buick Regal. E é aqui que Maddie entra em ação, aceitando tornar-se a “namorada” de Percy e levá-lo para o mundo dos adultos.
Com a realização de Gene Stupnitzky (“Good Boys”), “No Hard Feelings” encontra Jennifer Lawrence naquele que é, para todos os efeitos, um dos papéis mais leves e despreocupados da sua carreira. A ela, junta-se o jovem Andrew Barth Feldman, que retrata o tímido Percy. Por conseguinte, a dinâmica cómica entre ambos é o verdadeiro coração do filme.
Tudo começa com um grande plano que retrata – e antecipa – o foco da história. Na verdade, o enredo centraliza um pequeno peixe, o inocente Percy, que tem de morder o anzol da bela Maddie, lançado pelos seus pais demasiado apreensivos, que o querem ver preparado para a vida universitária. O início da história baseia-se numa premissa interessante, com um incidente desencadeador – o medo de Maddie de ser despejada. Uma vez conquistada a atenção do público, o filme continua o seu trabalho preparatório, ao colocar os peões no tabuleiro de clichés em que se assenta este tipo de narrativa: uma femme fatale, um adolescente a iniciar a vida sexual e a influência dos pais.
Uma vez colocados os ingredientes, “No Hard Feelings” parece adotar a forma e o objetivo de “American Pie”: fazer com que os jovens, ainda imaculados e com as hormonas em fúria, se percam na luxúria e no prazer carnal para alcançar a glória eterna. Porque a virgindade, nesses padrões, é muitas vezes vista como um estigma, algo que nos rotula de falhados e desajustados. Algo que é preciso, portanto, enfrentar, como se fosse um ritual de passagem, para entrar na fase adulta (ou seja, na faculdade) com dignidade e orgulho. Todavia, se no filme de Paul e Chris Weitz são os quatro amigos que querem livrar-se do medo de se tornarem a ovelha negra dessa situação, nesta comédia são os pais de Percy que temem pelo futuro do filho, isto é, temem não vê-lo socialmente, e, desta feita, sexualmente, ativo. Assim, na sua primeira metade, o filme tenta dar uma estrutura e um corte às suas personagens e ao seu contexto, proporcionando ao espetador uma espécie de primeiro olhar preparatório da história, antes de se perder totalmente na segunda metade.
O problema de “No Hard Feelings” não é o conceito, que vale por si só, mas a incapacidade de ser ousado e, assim, de aprofundar os seus protagonistas que, depois de um início divertido e dinâmico, parecem estar entregues à sua sorte. De facto, o filme perde o controlo da construção narrativa após o primeiro ato, galopando a um ritmo vagaroso sem grande cuidado. Moral da história: um produto prometedor (em que, neste caso, Jennifer Lawrence segura, de uma só vez, as rédeas, o cavalo e a carruagem, graças à sua pesada e funcional presença em palco) pode perder as suas boas intenções pelo caminho.
Os sketches, alguns deles ternos, e o alívio cómico entre Maddie e Percy não são suficientes para que o filme fuja ao seu destino. Porque é o argumento que, ao focar-se demais na macro-história, não enriquece o seu conteúdo com detalhes – aqui necessários para criar maior ligação entre o espetador e os seus protagonistas – e apenas insinua as nuances dos personagens, dando a sensação de que falta alguma coisa. Como se a infraestrutura da narrativa fosse feita de uma porcelana que, ao primeiro suspiro, desaba no chão. O filme tenta explorar certos aspetos, certos temas – como a reflexão sobre a opressão e a intromissão de alguns pais, ou o que significa a fase da adolescência – mas nunca chega a ser ousado nessa interpretação. Existe quase a impressão de que o realizador tem medo de ir mais longe, como se, ao fazê-lo, o tom humorístico se perdesse.
Em suma, é precisamente esse receio que estraga a segunda metade da obra. Ainda assim, para além destes problemas óbvios, o filme cumpre a sua missão: entreter. Consegue-o, sobretudo no início, como se disse, e se o consegue, é graças a uma Jennifer Lawrence versátil, que se envolve e se diverte a dar à sua Maddie uma tal exuberância que a atenção do público se concentra inteiramente nela. E, no final, é o próprio Gene Stupnitsky que se concentra na sua personagem, talvez por saber que ela é o único trunfo de todo enredo. E, de facto, é, porque “No Hard Feelings” é só mais uma comédia cinematográfica que, embora agradável e leve na medida certa, não arranha nem morde como deveria e poderia.