“Mank”, que marca o regresso de David Fincher à realização, estreia no dia 4 dezembro na Netflix. Traz-nos um olhar sobre Herman Mankiewicz, o argumentista do clássico “Citizen Kane”.
Não é novidade para ninguém que “Citizen Kane” é um dos filmes mais aclamados pela crítica e considerado “O melhor filme de todos os tempos”. Orson Welles, com 24 anos na altura, mudou paradigmas no cinema com a forma de realizar mas há toda uma história por detrás deste filme que nos deixa a refletir.
E ora, consegue ser mais do que uma história de um homem que sempre teve tudo o que quis, mas que acabou por perder tudo quando realmente o que queria era amor. Uma história de fracasso que teve bastante sucesso ao estrear – sendo que na época em que saiu foi um grande feito o facto de não ter sido o estúdio a ter a palavra final.
Orson Welles contou com Herman Mankiewicz, mais conhecido por Mank, para construir um argumento que se viria a tornar numa das melhores coisas que escreveu. Pelo menos é assim que o novo filme de David Fincher o descreve.
Mank retrata de onde realmente vem a inspiração para a genialidade que observamos em “Citizen Kane” enquanto conhecemos um pouco sobre o processo de escrita do argumentista e o que o levou a escrever aquilo. Claro que o filme Mank faz um bom trabalho em reconhecer o argumento de Mankiewicz, embora nos créditos de “Citizen Kane”, o trabalho esteja dividido a meio com Orson Welles. E, como houve essa divisão, efetivamente Welles e Mankiewicz dividiram o (único) Óscar ganho com “Citizen Kane” para Melhor Argumento (embora tivessem tido 9 nomeações).
Mas mais do que conhecer a inspiração do clássico, vamos viajando por Hollywood dos anos 30 ao mesmo tempo que acompanhamos uma parte do percurso do argumentista alcoólico, Herman Mankiewicz.
O mais curioso deste mais recente filme, para além de estrear numa altura em que estamos prestes a celebrar 80 desde o clássico, foi descobrir que a ideia surgiu do próprio pai de David, Jack Fincher (que faleceu em 2003). Portanto imaginem só há quanto tempo é que este filme estava à espera de ver a luz do dia. A meu ver, poderá ter sido a razão pela qual David terá agarrado este projeto, depois de algum tempo afastado, sendo que o conhecemos por histórias como “Se7en”, “Zodiac”, “Gone Girl”, “The Social Network”.
Partindo para o filme em si, porque é disso que estamos aqui para falar, destaco em primeiro lugar o facto de “Mank” ser todo em tons de preto e branco, tal como “Citizen Kane”. Se calhar, é estranho para algumas pessoas ver o clássico nos dias que correm pela primeira vez. E se calhar o mais estranho será porque não é a cores. Vimos isso a acontecer em Roma, por exemplo. Mas sendo “Mank” um abordar do argumento de “Citizen Kane” é como digo, fazia sentido que fosse a preto e branco e parece-me que não deve ter sido tarefa fácil para Fincher convencer os estúdios a aceitar um filme deste género, acabando por ser a Netflix a dar luz verde.
Confesso que desconhecia a história deste argumentista, o que me suscitou bastante curiosidade para ver este filme, especialmente quando soube que seria Gary Oldman a protagonizar. O que dizer de Oldman? Não é a primeira vez nem há de ser a última que o ator nos entrega uma performance irrepreensível. Em metade do filme está acamado (devido a uma lesão num acidente de carro contando apenas com Rita, uma dactilógrafa, e Monika, uma enfermeira/fisioterapeuta, para lhe fazerem companhia e para o manterem longe do álcool de modos a que ele consiga cumprir o prazo exigente dado por Welles (interpretado por Tom Burke). Na outra metade, vemo-lo em flashbacks, sempre acompanhados de um título para nos situar como se de uma máquina de escrever se tratasse, e vamos percebendo o percurso de Mank nos estúdios da Paramount e da MGM e o que realmente o inspirou para o argumento.
É nesses flashbacks que vemos figuras como William Randolph Hearst, um magnata, dono de um jornal, casado mas com uma parceira/amante, Marion Davies, sendo que este casal acabaria por servir de inspiração para o protagonista Charles Foster Kane e Susan Alexander. Charles Dance entrega-nos uma representação mais calma do que ao compararmos ao magnata Kane e Amanda Seyfried está impecável como Marion, sendo bastante assertiva e demonstrando ser um pouco mais “inteligente” do que Susan. E a dinâmica entre os três é qualquer coisa. Há até mesmo uma cena fantástica de Oldman, lá mais para o final do filme, em que ele fala mais do que deve num jantar cujo anfitrião é Hearst que é bastante interessante de se analisar o diálogo e comparação de Mank.
Claro que também não podia faltar alguns detalhes da época como os telefones, os nomes de alguns realizadores, argumentistas, e atores que vamos reconhecendo e claro, o ambiente de Hollywood na época dourada, com toda a sua extravagância e não só.
Num resumo geral de um texto que já vai longo, aconselho vivamente que vejam “Citizen Kane” antes ou depois de verem “Mank”, nem que seja para estarem mais enquadrados na história. Contudo não é obrigatório porque embora estejamos a tentar perceber a inspiração por detrás do bom argumento do clássico, não estamos a desconstrui-lo. Isso fazemos ao ver o filme de 1941. Estamos a conhecer um pouco mais de Herman e, porventura, a dar-lhe o reconhecimento pelo argumento que desenvolveu através de uma interpretação fantástica de Gary Oldman que pode valer-lhe, à semelhança da sua personagem, o reconhecimento nas cerimónias de prémios.