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Indiana Jones and the Dial of Destiny – Crítica Filme

by João Pedro

Quando eu tinha 10 anos, a minha mãe levou-me a ver as peripécias de uma lenda que a acompanhou nas suas aventuras de adolescente. Um arqueólogo, um professor, um investigador, um sarcástico da velha guarda, que, depois de descobrir arcas, templos e protagonizar cruzadas, viu-se a braços com a ambição de tocar o espaço entre os espaços, em busca do reino de uma caveira de cristal. Muitos anos depois, o velho ancião sai da sua gruta para protagonizar a última demanda em busca do destino. Foi a derradeira oportunidade para, desta vez, o filho levar a mãe de braço dado para testemunhar a última caça ao tesouro do mítico Dr. Jones. 

“Raiders of the Lost Ark” (1981) é um dos filmes mais influentes da história do cinema. O seu peso na cultura pop vai muito além dos filmes de aventura e estende-se à televisão, aos jogos de vídeo, à música, à banda desenhada e até à literatura. Para o imenso número de espectadores que o puderam apreciar, foi o nascimento de um dos maiores heróis de todos os tempos: Indiana Jones. Estamos agora no ano 2023, perante a sua última aventura, tal como conhecemos a personagem, ou seja, interpretada por Harrison Ford. O lançamento deste quinto filme marca o fim de uma era, não obstante, quanto a mim, o imaginário desta saga nunca morrerá.

“Indiana Jones & The Dial of Destiny” está muito consciente do seu lugar e o seu realizador, James Mangold, sabe muito bem que não pode competir com Steven Spielberg. Os argumentistas dão continuidade à história escrita originalmente por George Lucas e Philip Kaufman e fazem uma recriação inteligente dos quatro filmes anteriores. O próprio James Mangold esteve envolvido no argumento, assim como David Koepp (“Jurassic Park”, “Carlito’s Way”) e, por fim, os dois autores principais: Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, que trabalharam em “Ford vs Ferrari” e “Edge of Tomorrow”. A equipa fez o melhor que se pode fazer com uma personagem destas nos dias de hoje, que é estar ao seu serviço. Claro que ele mudou ao longo das décadas, mas, do ponto de vista cinematográfico, a fórmula que encontraram para lhe dar lógica e continuidade foi impecável.

(L-R): Indiana Jones (Harrison Ford) and Helena (Phoebe Waller-Bridge) in Lucasfilm’s INDIANA JONES AND THE DIAL OF DESTINY. ©2023 Lucasfilm Ltd. & TM. All Rights Reserved.

A personagem de Indiana Jones teve a sua primeira aventura em 1936, em “Raiders of the Lost Art” e em 1935 com “Temple of Doom”. Em “Last Crusade”, a história central passa-se em 1938 e o prólogo da sua adolescência em 1912. Posteriormente, “Kingdom of the Crystal Skull” passa-se em 1957 e, finalmente, “Dial of Destiny” em 1944 e 1969. Quarenta e dois anos de história cinematográfica em que o seu ator e vários colegas envelheceram juntamente com a personagem. Todavia, na história da franquia, o tempo decorrido é menor, apenas trinta e três anos desde que o conhecemos até hoje. Felizmente, os dois últimos filmes integraram esse fator no enredo, assumindo a velhice do Dr. Jones em vez de tentar disfarçá-la. É sabido que Harrison Ford pediu expressamente, e de forma muito sensata, que a sua velhice fizesse parte do enredo.

“Dial of Destiny” começa de forma espetacular, em 1944, onde o protagonista luta contra os nazis com a ajuda do seu amigo Basil Shaw (Toby Jones) e onde encontram o artefacto que será o MacGuffin do enredo, tal como outros objectos o foram anteriormente. Ou seja, um objeto que desencadeia a busca e a aventura, que faz avançar a história. É verdade que, neste caso, esta desculpa tem uma força extra que a liga a todo o espírito do filme. Mas é sempre um ponto de partida para se lançar no entretenimento. Desta feita, no prólogo, também é apresentado o vilão, o cientista nazi Jürgen Voller (Mads Mikkelsen), que vai disputar esse troféu cujo valor pode definir o curso da humanidade.

A ação principal decorre em 1969. Um velho Indiana Jones vê-se desnorteado pela música dos Beatles no volume máximo – Magical Mystery Tour – no dia da sua reforma como professor. Ninguém quer saber de arqueologia e do passado, o mundo está a curvar-se aos pés da aterragem do homem na lua e da era espacial. Os alunos já não estão apaixonados pelo professor e não há interesse nas suas aulas. A única exceção a esta falta de amor pela História é uma jovem desconhecida, que se revela Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge), filha de Basil, afilhada de Indy e tão conhecedora de História como ele. É ela que promete renovar o espírito de aventura do herói e lançá-lo numa nova e última caça ao tesouro.

(Clockwise from right): Colonel Weber (Thomas Kretschmann) and Doctor Jürgen Voller (Mads Mikkelsen) in Lucasfilm’s IJ5. ©2022 Lucasfilm Ltd. & TM. All Rights Reserved.

Nas primeiras cenas, o filme decreta elementos fundamentais da sua ética e da sua visão do mundo. Por um lado, os nazis são sempre nazis e são combatidos, a qualquer hora e lugar, ainda que o próprio governo dos Estados Unidos lhes tenha dado espaço para vencer a corrida espacial (Jürgen Voller é a versão fictícia de Wernher von Braun, o cientista nazi que foi recrutado pela NASA). E por outro lado, há uma declaração de princípios em relação ao cinema. “Indiana Jones” é uma aventura old-school, não só por causa de um personagem de outra época, mas pela limitação ao nonsense típico do cinema atual. O filme parece de outra época, não só pelo que faz, mas também pelo que evita fazer. Não é uma obra barroca, excessiva ou confusa. Tudo se concentra no argumento e na encenação dos personagens centrais, sem perder tempo com a multiplicação de sub-histórias ou detalhes visuais inúteis. Embora seja uma fantasia, passa-se num mundo cinematograficamente real.

“Indiana Jones and the “Dial of Destiny” deve também servir para explicar porque é que “Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull” foi tão injustamente maltratado. Com todos os seus problemas, é um filme que me será sempre querido. Contudo, para além disso, há que referir que, depois de uma trilogia perfeita cujo legado é imortal, passaram-se muitos anos e a revolução digital, pelo meio, também serviu de influência. Em 2008, foi um choque muito grande constatar aquela mudança. A forma condiciona o conteúdo, mas o conteúdo não era medíocre, a questão é que os mundos tinham mudado: o mundo do cinema e o mundo de Indiana. Do imaginário dos filmes de aventura para o imaginário da guerra fria e da ficção científica. Na altura, era demasiado difícil de aceitar. Agora podemos aceitá-lo e acrescentar-lhe este quinto filme, que não procura chocar contra os limites nem pedir ao espetador uma mudança de paradigma tão violenta como o quarto título da saga. Se o quarto filme, obviamente longe da qualidade dos clássicos, pagou o preço da mudança de época, atualmente isso já não parece um problema.

Indiana Jones (Harrison Ford) in Lucasfilm’s INDIANA JONES AND THE DIAL OF DESTINY. ©2023 Lucasfilm Ltd. & TM. All Rights Reserved.

Indiana Jones é Harrison Ford. É a personagem da sua vida e o sucesso do filme deve-se em grande parte a ele. O mesmo se pode dizer da música de John Williams, agora tão intimamente identificada com a história como o próprio ator. Mas nenhum deles teria sido bem sucedido sem as ideias de George Lucas e o seu desejo de homenagear o cinema das primeiras décadas do século XX e a sua paixão pela literatura do século XIX. Essa criação não poderia ter encontrado um realizador melhor do que Steven Spielberg. Neste primeiro filme de Indiana Jones sem ele, a sua ausência tenta passar despercebida, não imitando o seu estilo. James Mangold é um bom realizador, mas não é Spielberg e, felizmente, não tenta sê-lo.

A centelha de perfeição lúdica que Spielberg usou nos seus filmes de Indiana Jones é incomparável. Phedon Papamichael, sem dúvida um grande diretor de fotografia, também não tem o talento de Douglas Slocombe, responsável pela iluminação dos três primeiros filmes. Quando Spielberg realizou o quarto, não teve outra opção senão trabalhar com outro diretor de fotografia, mas escolheu o enorme Janusz Kamiński, que é o seu braço direito há décadas. Kamiński imitou o estilo de Slocombe de uma forma espantosa, mas isso era lógico, dado o seu conhecimento íntimo de Spielberg. Aqui a estética tem muito em comum, mas é um estilo de realização diferente. E, claro, também não há Michael Kahn, o grande editor de Spielberg.

No entanto, grande parte da equipa que trabalha em “Dial of Destiny” é a de “Ford vs Ferrari”, um grande filme com uma sensibilidade clássica também passado na década de 1960. Os tempos mudam e, tal como o Dr. Jones, também temos de aceitar que a narrativa muda. O classicismo evoluiu. O que há oitenta anos conhecíamos como uma narrativa clássica seria hoje em dia marcadamente moderno na sua diferença em relação ao resto do cinema. Nesta quinta aventura, desfrutamos simplesmente de uma história bem contada, um conto sobre a passagem do tempo e também uma renúncia ao espírito trágico. Indiana Jones sempre teve um lugar especial guardado no coração das pessoas, mais do que os objetos que procurava. Era sempre mais importante salvar alguém ou salvar-lhe a vida do que realizar um feito para a posteridade. É também aqui que reside a sua leveza e falta de solenidade, mesmo quando aborda temas importantes ou acontecimentos terríveis da História. 

(L-R): Indiana Jones (Harrison Ford) and Teddy (Ethann Isidore) in Lucasfilm’s INDIANA JONES AND THE DIAL OF DESTINY. ©2023 Lucasfilm Ltd. & TM. All Rights Reserved.

E, como não poderia deixar de ser, o humor também está presente e responde à mesma sensibilidade dos filmes anteriores. Pode ou não ser incompreensível para as novas gerações, mas os fãs originais da saga vão compreender vários detalhes deliciosos, incluindo um dos mais belos finais alguma vez escritos para a personagem. A demanda do Graal era a demanda final da mitologia arturiana e fechava assim a trilogia inicial. Aqui, o tempo é a peça-chave e o referido final faz alusão a isso mesmo. “Indiana Jones and the Dial of Destiny” é um grande filme que não tenta superar os filmes de Spielberg, mas sim pegar no bastão para acompanhar a personagem. A nostalgia pode afetar os que sempre se sentiram, de alguma forma, parte desta história cinematográfica de quarenta e dois anos. Mas o nosso amor por estes filmes não é nostálgico, é autêntico. Apaixonamo-nos pelo cinema e deixamos que ele mude as nossas vidas por causa de filmes como estes. Eu não nasci no século XIX, mas sou apaixonado por alguns dos romances de aventuras que se publicaram nessa altura. Também não era nascido quando os filmes de Fritz Lang ou a Hollywood clássica nos mostraram a versão audiovisual dessas histórias. Há que pensar que as novas gerações também vão compreender e apreciar Indiana Jones.

Esta é a história sentida e dura de um herói velho e cansado, mas que luta para encontrar o seu caminho. É a história de mundos passados, do rocambolesco, da aventura que é sempre capaz de jogar no limite da ironia, desmistificadora e épica ao mesmo tempo, capaz até de tocar a emoção, aquela emoção que se sente quando se sabe que provavelmente não haverá mais oportunidades de ver Harrison Ford a percorrer túneis subterrâneos de forma desenfreada, de andar à pancada com nazis, de conduzir um tuc tuc a alta velocidade pelas ruas de Casablanca, ou de descer às profundezas do mar e da terra. 

Esta última aventura é a melhor forma da personagem se manter na corrida pelo destino, sendo que as novas personagens trazem essa energia sob a forma de renovação geracional, mas de uma forma mais harmoniosa do que no filme anterior. É difícil dizer adeus, mas a tarefa está cumprida. Assim, a exclamação sempre atribuída a Arquimedes é também aquela com que se termina este texto que descreve um filme que (embora esteja longe de se aproximar da trilogia original – algo sempre importante de frisar) apela ao verdadeiro espírito de aventura: Eureka!

Resta-nos sentirmo-nos gratos por termos sido contemporâneos destes filmes, aos quais podemos regressar mil vezes, e outras tantas, durante o resto do tempo que nos resta.

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