Durante o mês de junho, o canal Hollywood está a transmitir o ciclo de oito filmes de “Harry Potter”. No fim de semana passado, escrevi sobre as duas primeiras adaptações dos livros da saga, e, agora, regresso com a minha opinião sobre “Prisoner of Azkaban”.
“Harry Potter and the Prisoner of Azkaban” não incide tanto na preocupação de adaptar cada momento do livro, e dá primazia ao cuidado cinematográfico. Para mim, embora evidencie a falta de momentos cruciais do romance, este terceiro filme é a melhor das adaptações de “Harry Potter”.
Não existe um começo ou final deliberado. Pouco se resolve, e o clímax é discreto. O vilão dos dois primeiros filmes, e da saga, o temido Lord Voldemort, está ausente. É o único filme em Voldemort não surge sob qualquer forma.
Nesse papel de vilão, o aparente substituto é Sirius Black (Gary Oldman), embora as aparências possam iludir.
O tom mais escuro e mais claustrofóbico, é a marca de “Prisoner of Azkaban”, e essa mudança, quando comparado com os dois primeiros filmes, deve-se à mudança de realizador.
Desta vez, Chris Columbus, o cineasta de “Philosopher´s Stone” e “Chamber of Secrets”, assumiu apenas a função de produtor, e deixou a cadeira da realização para Alfonso Cuarón, que, naquela altura, já presenteava os apreciadores de cinema com “A Little Princess” e “Y Tu Mama Tambien”.
Nesta parte da história, surge Sirius Black, que parece determinado em eliminar o jovem Harry (Daniel Radcliffe). Aparecem, pela primeira vez, os terríveis Dementors, que roubam cada grama de felicidade que podemos conservar.
Para Harry, que agora está no seu terceiro ano em Hogwarts, torna-se cada vez mais difícil fazer a distinção entre amigos e inimigos.
Embora nunca se coloque em questão a lealdade de Ron (Rupert Grint), Hermione (Emma Watson) ou até do professor Dumbledore (interpretado pela primeira vez por Michael Gambon), existe um professor novo, Lupin (David Thewlis), que parece guardar um segredo. Adicionalmente, conhecemos também a professora Sybil Trelawney (Emma Thomspon), que só consegue prever destinos terrivelmente horripilantes para o protagonista.
Não obstante, embora surjam questões por resolver com Sirius Black ou com os Dementors, o destaque primordial da história incide na traição que, de facto, provocou a morte dos pais de Harry Potter.
Não há dúvida de que Cuarón colocou a sua marca neste filme. O regresso de personagens familiares mantém o público confortável, contudo, as mudanças de escolha no processo de decisão, fazem com que cheguemos à conclusão de que a epopeia de Harry está a decorrer num universo diferente. Agora, já não existe o conforto de Columbus.
A mudança mais óbvia é em Hogwarts. Embora seja a mesma, a escola é apresentada de uma maneira que a torna mais ameaçadora, e, desta forma, menos amigável do que nos dois primeiros filmes.
O guarda-roupa é outra alteração significativa. Harry, Ron e Hermione abandonaram os uniformes escolares, e surgem com roupas “normais”.
Os momentos de desenvolvimento do caráter dos personagens, ocorrem de forma mais espaçada (fruto dos cortes mais profundos que foram efetuados perante o material de origem) Ainda assim, aprendemos algumas coisas sobre os antecedentes de Harry, e vemos o começo de um carinho provisório entre Ron e Hermione.
Embora Kenneth Branagh não tenha regressado para este filme, Emma Thompson juntou-se ao elenco na pele da excêntrica professora de Adivinhação. Ela não aparece em muitas cenas, mas impressiona. Michael Gambon substitui o falecido Richard Harris sem perder o ritmo – alguns espetadores podem nem perceber a mudança de atores. A aquisição mais significativa pode ser Gary Oldman. É um papel complicado, mas que o ator molda-o com uma destreza formidável.
Timothy Spall surge num momento mais avançado do filme, todavia, a sua presença é fulcral, até porque retrata uma personagem que, supostamente, já faleceu.
Entre os vários efeitos especiais do filme, admiro particularmente o trabalho feito com o Salgueiro Zurzidor, que surge no terceiro ato. Numa cena de rompante, a árvore sacode a neve derretida dos galhos, sendo que uma parte da neve parece cair na nossa direção. É um pormenor incrível. Debaixo da árvore, há um labirinto que abriga segredos e horrores. Tudo isto sucede num conjunto de momentos, que apresentam truques de magia feitos pelo próprio tempo.
Chris Columbus teve a ousadia de arriscar, e apresentou “Harry Potter” a todo o mundo a partir do grande ecrã. Cuarón teve a ousadia de fugir ao legado frisado, ao revitalizar a franquia e fazer com que ela seguisse um caminho inesperado.
A criatividade visual, aliado ao humor transmitido por um autocarro que viaja a alta velocidade pelas ruas de Londres, ou por uma “herança” extraordinária que Harry recebe dos gémeos Weasley, não esconde a atmosfera sombria que se vive. “Prisoner of Azkaban” abre as portas, de par em par, para o que aí vem, e prepara-nos para o regresso de Lord Voldemort.