Em “Harry Potter and the Goblet of Fire”, o destaque vai para as cenas de ação em torno do Torneio dos Três Feiticeiros, e, obviamente, para o regresso triunfal de Lord Voldemort.
A meu ver, o afastamento de Chris Columbus da realização dos filmes de “Harry Potter”, trouxe vantagens evidentes. Depois de produzir adaptações adequadas “Philosopher’s Stone” e “Chamber of Secrets”, Columbus foi substituído por Alfonso Cuarón, em “Prisoner of Azkaban”.
Na terceira longa-metragem, a saga revitalizou, e assumiu uma vida cinematográfica “legítima”, se for coeso adotar esta expressão.
Com Mike Newell (“Four Weddings and a Funeral”), “Harry Potter and the Goblet of Fire” apresenta um trabalho ambicioso, ao reduzir o conteúdo massivo do livro a um tamanho razoável (o filme tem cerca de duas horas e meia de duração). A produção é relativamente fiel ao livro em traços largos, mas varia muito quando se trata de detalhes.
As personagens do costume estão de volta – um ano mais velhos e um pouco mais perspicazes. Harry Potter (Daniel Radcliffe) está a ter pesadelos estranhos, e teme que o seu inimigo, Lord Voldemort (Ralph Fiennes), esteja a planear um regresso triunfal. Hermione (Emma Watson) está a transformar-se numa jovem deslumbrante, que atraia uma quantidade considerável de atenção – um facto que não escapa ao aviso dos olhos de Ron (Rupert Grint).
Durante este quarto ano de Harry em Hogwarts, realiza-se o “Torneio dos Três Feiticeiros”, uma competição que mete à prova os representantes de cada uma de três escolas diferentes. Os escolhidos são Cedric Diggory (Robert Pattinson), Fleur Delacour (Clémence Poésy) e Viktor Krum (Stanislav Ianevski). Só que, inesperadamente, alguém é adicionado à lista. O azarado do costume: Harry Potter.
Os desafios do torneio provam ser tão potencialmente mortais, e Harry coloca a questão sobre se existem forças alinhadas contra ele, em jeito de conspiração.
Os lados parecem estar claramente definidos: aqueles que estão com Harry – Dumbledore (Michael Gambon), a profesora McGonagall (Maggie Smith), Hagrid (Robbie Coltrane) e o novo professor de Defesa Contra a Magia Negra, Moody (Brendan Gleeson ) – e aqueles que se opõem ao seu sucesso- o professor Snape (Alan Rickman), Draco e Lucius Malfoy (Tom Felton e Jason Issacs), Wormtail (Timothy Spall) e Barry Crouch Jr. (David Tennant). Todavia, como é costume, nada é o que parece.
“Harry Potter and the Goblet of Fire” é mais orientado para a ação do que os seus antecessores, com várias cenas de tirar o fôlego. Newell investiu bastante nas cenas em redor do Torneio, com uma sensação palpável de perigo e emoção.
Entretanto, quando o foco não incide tanto na agitação provocada por dragões ou entidades marinhas, Harry e os amigos enfrentam outros demónios: as próprias inseguranças. O Yule Ball, Baile de Inverno, é uma pausa divertida das tarefas perigosas que estão no centro da história. Os estudantes dançam ao som daquilo que podemos comparar com Radiohead e Pulp.
O elenco de veteranos continua praticamente imaculável. No que toca a caras novas, Brendan Gleeson faz um bom trabalho na pele do enigmático “Mad Eye” Moody, e Miranda Richardson é apropriadamente excêntrica como Rita Skeeter.
Ralph Fiennes é Lord Voldemort, o responsável pela morte dos pais de Harry. É a primeira vez que o vilão surge numa forma humanizada e adulta, e a metamorfose é assustadora. A cena climática em que Harry enfrenta o inimigo, provoca o golpe emocional, tal como o facto de testemunharmos a primeira perda transcendente de um inocente.
Não obstante, embora seja explícito o regresso inexorável do perigo sob a forma de uma entidade que espalha o pânico, e que tem um grupo de aliados que o ajudam a suscitar o medo entre a comunidade mágica, a cena final pode não funcionar tão bem no grande ecrã quanto seria expectável.
É um filme mais maduro pela ameaça, e pelo desenvolvimento crescente dos personagens. Eles já não são miúdos. Porém, honestamente, não considero que seja mais sombrio do que “Prisoner of Azkaban”.
Porém, na minha ótica, esse fator não é tão prejudicial como alguns fãs podem considerar. Originalmente, os produtores queriam dividir este filme em duas partes, e lançá-las com vários meses de diferença (como em “Kill Bill “ou nos dois últimos filmes de “Matrix”), mas Newell preferiu sacrificar algumas parcelas, ou sub-tramas, em favor de um argumento mais rígido.
É de conhecimento generalizado, que as adaptações de livros nunca são executadas de uma forma inexoravelmente perfeita, e que existem pormenores que têm de ser deixados para trás, em prior de acontecimentos que merecem um destaque primordial. E “Goblet of Fire” é, de facto, um livro extenso.
Por um lado, tenho pena que vários pormenores interessantes tenham ficaram de parte, mas não deixo de admirar o trabalho de Kloves.
E, em contrapartida, considero que é precisamente neste aspeto que a saída de Columbus foi importante para a franquia. Apesar de ambicionar a inclusão de momentos preponderantes, julgo que uma adaptação nunca deve ser uma cópia em carbono do que é o livro. Deve adquirir uma certa vida própria. Existem certos pormenores que funcionam bem nos livros, mas que não são exequíveis no cinema, e vice-versa.
“Goblet of Fire” preenche o ecrã, e mantém-nos fascinados com a complexidade e a inteligência da história, mesmo que o trabalho em torno da edição do filme não seja o melhor. A recordação mais flagrante que tenho dessa falha, incide na chegada do navio de Durmstrang, uma das outras escolas de magia, a Hogwarts. O navio chega com toda a sua pujança, porém, não surge qualquer tipo de ondulação a perturbar o padrão da água.
No meu gosto pessoal, a longa-metragem não está ao nível de “Prisoner of Azkaban”, mas cumpre bem a sua missão. Nada será igual. É o começo da batalha que está por chegar.