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“Fados”: Uma homenagem à arte de Carlos do Carmo

by João Pedro

No primeiro dia de 2021, Portugal viu partir a maior força renovadora do fado, depois de Amália Rodrigues. Carlos do Carmo deixa um legado inexorável ao país, ao marcar profundamente o seu género musical por excelência. E é, assim, em jeito de homenagem ao fadista, que escrevo hoje sobre “Fados”, documentário que Carlos Saura realizou em 2007, e que está disponível no catálogo da HBO Portugal. 

Tendo feito filmes de performance bonitos em torno do flamenco (“Flamenco” de 1995) e do tango (“Tango” de 1998), o espanhol Carlos Saura ofereceu também o seu olhar para o canto do fado português. “Fados” pode não ser tão quente como os seus antecessores, mas espelha a essência do género que nos caracteriza tão bem.

Tal como Carlos do Carmo, muitos dos nossos compositores e cantores entrelaçam, no Fado, de um jeito melancólico, a memória, a alma, a nostalgia e o romance.

“Fados” pode carecer da sensualidade de fazer cair o queixo, que Saura apresentou em “Tango”, mas é compensado pela sensualidade casual. O filme é composto por mais de uma dezena de peças – cantores, violinistas, percussionistas e até dançarinos – surgem a mostrar o que melhor sabem fazer. É teatro tratado como cinema.

A ideia, em parte, é levar-nos pela história do Fado, e Saura, que concebeu o filme com Ivan Dias, parece ter pensado em tudo. Tanto temos baladas como hip-hop. Um dos números musicais, baseado nos trajes chiques esfarrapados, poderia ser de “Les Miz”; e outro, totalmente diferente, usa uma série de clipes de “A Severa”, de José Leitão de Barros. Adicionalmente, parte da fotografia do documentário, parece ser da escola de Pina Bausch.

“Fados” não é um concerto gravado. Cada uma das performances é executada exclusivamente como uma peça definida, geralmente com um acompanhamento de dança. Mas, fiel à forma, são os cantores, mais do que tudo, que vão diretos ao coração enquanto contam as suas histórias.

De forma astuta, Saura faz com que os artistas olhem diretamente para a câmara, num movimento que coloca a franqueza da música à vista.

As participações de Mariza, Camané e, claro, Carlos do Carmo, são magníficas. São os grandes fadistas do passado e do presente. Fiquei surpreendido com as cenas de cortar a respiração com Mariza e o Patrick de Bana, visto que não imaginava que o fado também se pudesse dançar.

Desta feita, Saura aproveitou para mostrar não só o fado tradicional, mas também os novos caminhos e as relações com a música africana e brasileira.

Seja como for, o meu momento favorito é um par de olhos fechados. Argentina Santos traz grande sabedoria a uma canção que, na sua essência, aborda o conceito português de “saudade”, que por falta de palavra melhor é uma espécie de nostalgia. Argentina não olha para nós enquanto canta, mas fá-lo com tal sentimento que não há necessidade de questionar o que vê. Nós podemos ouvir. E isso basta.

Em suma, “Fados” pode cometer alguns erros de realização, mas não deixa de ser uma obra de arte genuína, e uma expressão de bom gosto avassalador. Para recordar e homenagear Carlos do Carmo, julgo que este documentário assenta que nem uma luva.

Até sempre, Carlos do Carmo!

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