Todd Haynes não trabalha na conceção dos argumentos dos seus filmes desde “I’m Not There”, de 2007. A colaboração do cineasta com outros argumentistas tem sido razoável (denoto os exemplos de “Carol” e “Wonderstruck”. Em “Dark Waters”, Haynes trabalha a partir de um argumento baseado em “The Lawyer Who Became Dupont’s Worst Nightmare,” um artigo escrito por Nathanial Rich para a New York Times em 2016.
Os monstros existem, e, por vezes, andam mesmo aí à espreita. Eles não se escondem debaixo das camas, em armários ou mesmo em terras distantes. Estes monstros vestem fatos caros, realizam jantares de alto gabarito, e lideram empresas multinacionais de biliões de dólares que vendem produtos que corroem lentamente.
Em “Dark Waters”, quem promete fazer frente a esta séria ameaça é um advogado de defesa corporativo. Não é propriamente o campeão que poderíamos esperar, mas a performance de Mark Ruffalo vale que prestemos atenção ao que é contado.
Neste que é o seu segundo filme em torno da DuPont em alguns anos (após “Foxcatcher”), Ruffalo interpreta Robert Bilott, um advogado de Cincinnati que é abordado por Wilbur Tennant, um senhor de idade que possui uma fazenda em West Virginia.
Tennant quer contratá-lo num processo contra a DuPont, um titã da indústria química, cujos produtos fazem parte do tecido do país, visto que, alegadamente, o escoamento da fábrica está a provocar a morte do gado que possui. O problema é que Bilott é um advogado de defesa corporativo, e, como tal, o seu trabalho incide exatamente em defender empresas como a DuPont.
Basta uma visita à cidade natal da Tennant, para que Bilott testemunhe a situação de pesadelo em que todos vivem.
A evidência é esmagadora, não apenas nos campos onde as vacas estão a morrer, mas também pelas deformidades físicas dos cidadãos (defeitos de nascimento, problemas nos dentes, etc.), causados pelo veneno da DuPont. Perante o cenário, Bilott pretende fazer o que está certo, mesmo que isso ameace toda a sua carreira profissional.
Bilott descobre que o PFOA (ácido perfluorooctanóico) – usado para fabricar o material antiaderente Teflon – também está presente no abastecimento de água da cidade, e foi responsável pelos problemas de saúde da população. defeitos congênitos e câncer em humanos.
A investigação torna-se ainda mais complexa quando Bilott percebe que o Teflon, usado em tachos e panelas por toda a América, pode transmitir o produto venenoso a todos os que cozinhem com equipamentos feitos com o material em questão.
Ao longo do processo, A DuPont atua de maneira assustadora, tal como na vida real. Bilott descobre que a empresa sabia que o produto químico era tóxico antes de o utilizar, mas como não era regulamentado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, utilizou-o de qualquer maneira, sabendo que prejudicaria seriamente os consumidores.
“Dark Waters” cativa pela forma como narra a forma como uma entidade corporativa pode escolher destruir vidas de maneira insidiosa, e como se consegue esconder à vista desarmada enquanto o faz.
Nas pequenas cidades de carvão da West Virginia que Bilott visita, a DuPont é tudo que as pessoas conhecem. Estas empresas acabam por tornar-se indispensáveis, não apenas para estas cidades, como para todo o país. Faz com que pareça impossível pagarem pelos crimes que cometem, visto que têm múltiplos advogados que atenuam as acusações e provas.
Mark Ruffalo surge cauteloso neste registo. Ele sempre teve uma sensibilidade comum e isso serve bem nesta ocasião, uma vez que Bilott procura desafiar a autoridade da maneira mais humilde possível.
O outro grande nome ao lado de Ruffalo é Anne Hathaway, que interpreta Sarah, a esposa de Bilott. Ex-advogada e agora mãe em casa, Sarah contribui pouco para a história, apesar das indicações de que poderia ter desempenhado um papel muito maior.
Efetivamente, a longa-metragem destrói com sucesso o mito de que as grandes empresas industriais nutrem preocupação pelos seus trabalhadores ou consumidores.
Para quem tem o cuidado de prestar atenção às notícias que nos vão chegando diariamente, “Dark Waters” serve como a confirmação da corrupção institucional que existe na América como uma bigorna. Para outros, o filme poderá ser um alerta para que se pondere que nem sempre podemos contar com empresas para nos proteger.