Home FilmesCinema Cruella: A ascensão ousada de uma vilã elegante e caótica

Cruella: A ascensão ousada de uma vilã elegante e caótica

by João Pedro

Cruella de Vil sempre foi um ícone extravagante no seu papel de herdeira glamour de Londres, com uma tendência para confecionar casacos de pele de dálmatas. Surgiu pela primeira vez na décima sétima longa-metragem de animação da Disney, “101 Dalmatians”, de 1961. O mais recente trabalho em torno da personagem incide numa história original, ao mesmo tempo que apresenta elementos de comédia de humor negro e extravagância do campo que oscila a ponto de ser denominado “anti-Disney”. 

O público sabe que ela é a assassina de dálmatas e fabricante de casacos de pele dos filmes de animação e de duas obras em live-action protagonizadas por Glenn Close (que também é produtor executivo deste novo filme). Porém, “Cruella” investiga as origens de uma estilista talentosa. Ambientado em Londres durante os anos 1970, onde a cena Punk está na moda e as saias são finas como um lápis, os espetadores são apresentados à pequena Cruella – cujo nome verdadeiro é Estella. A jovem vai narrando, de forma sarcástica, a infância difícil que teve, rotulada pelo cabelo meio-tom, e como acaba por fazer parceria com Horace e Jasper, os seus cúmplices para a vida.

Depois de uma cena inicial engraçada e bem executada, vemos Estella a tornar-se uma jovem adulta interpretada por Emma Stone. Para sustentar o infortúnio da sua vida, Estella embarca em assaltos executados ao lado de Buddy, o seu cão, Horace (Paul Walter Hauser), Wink (o cão de Horace) e, claro, Jasper (Joel Fry ).

“Cruella” estabelece a base do padrão inovador e criativo que a personagem alcança. Cada cena é criada exclusivamente para explorar e explicar o olho de Estella para a moda e a determinação para se dar bem na indústria.

O filme assume a abordagem de “Devil Wears Prada” quando Estella conhece a outra personagem de renome no filme – a Baronesa (Emma Thompson), onde o público pode logo ver as duas Emmas em ação. A Baronesa de Thompson é fria e calculista nas suas palavras, ao despedir pessoas e a quebrar egos sensíveis com um olhar lateral de cortar a respiração. Enquanto Miranda Priestly, de Meryl Streep, faz beicinho sempre que está infeliz, a Baronesa olha de lado e a nossa carreira está oficialmente encerrada.

Emma Stone as Cruella in Disney’s live-action CRUELLA. Photo by Laurie Sparham. © 2021 Disney Enterprises Inc. All Rights Reserve

À primeira vista, Emma Stone não me pareceu a melhor escolha para interpretar Cruella, não obstante, tenho de dar a mão à palmatória. Mesmo que o sotaque britânico possa ser exagerado, ela é irresistível como protagonista. Não há nada mais divertido do que ver Emma Stone ficar cara a cara numa disputa por poder, e ela é tão impressionante como em “The Favourite”.

Ao passo que Stone é a estrela do filme, Thompson é um salvo conduto. Quanto a Fry e Hauser, os seus retratos de Jasper e Horace são bastante agradáveis (para mim, até são mais coesos do que as suas contrapartes animadas), e a relação profunda que desenvolvem com Cruella é um pormenor muito bem-vindo no filme.

O filme presta homenagem à alta cultura dos anos 70, ao mesmo tempo que utiliza o campo para a ascensão de Cruella. Uma vez que os anos 70 marcaram a ascensão da cultura punk, especialmente no Reino Unido, o género é aplicado à identidade da personagem, especialmente no guarda-roupa. Faz com que toda a cena punk ganhe vida com o seu talento a preto e branco, que combina com o espírito rebelde e a energia anarquista. Não me admira que Jenny Beavan (“Mad Max: Fury Road”) receba outra nomeação ao Óscar, por mergulhar no mundo da moda de uma forma que eleva a qualidade geral do filme. Isto também se aplica ao design de produção, que faz um ótimo trabalho ao estabelecer a diferença de classe entre Estella e Horace e Jasper.

O realizador Craig Gillespie exibe com orgulho a moda de Londres e, apesar da aparência sombria, oferece um toque exuberante de cor que faculta uma vibração animada ao filme.

A narrativa é eficaz na sua condição de história de origem distinta, mas está longe de ser uma versão “Joker” da Disney. Dana Fox e Tony McNamara criaram uma Estella desconexa, e promissora, que entra na indústria da moda para descobrir um segredo que define o seu próprio destino sombrio. O filme dá voltas e reviravoltas muito ousadas para tornar a história complexa, e, no entanto, há que aplaudi-lo por assumir riscos no enredo, adicionando dimensão a esta vilã.

Em contrapartida, se o objetivo do filme também passa por homenagear a década de 1970, é um erro crasso não existir uma banda sonora da época em si. O filme começa com Supertramp, Bee Gees, The Doors, etc. Mas a novidade passa rapidamente, pois torna-se excessivamente dependente de trabalhos pré-existentes. Isso diminui a diversão e a intensidade de cenas amplas e bem coreografadas, porque sempre que ocorre qualquer momento de ação, passa uma música totalmente aleatória.

Emma Stone as Cruella in Disney’s live-action CRUELLA. Photo by Laurie Sparham. © 2021 Disney Enterprises Inc. All Rights Reserved.

É uma pena, porque o trabalho do Nicholas Britell é bastante bom. Não se pode simplesmente colocar o homem no banco de trás e enfatizar as pistas musicais. É como se estivéssemos a ver o filme com os olhos de uma cabeça indecisa dos anos 70, que fica a passar temas do Spotify após o primeiro refrão. Torna-se enigmático e atrapalha o ritmo do filme, que já é demasiado longo por sinal.

Embora seja divertido e até épico até certo ponto, há pormenores na história que poderiam ter sido cortados, especialmente durante o segundo ato, onde os assaltos e crimes de Estella com Jasper e Horace começam a tornar-se mais elaborados e, em adição, quando começa a ascensão da personagem. Existem cenas repetitivas que não precisavam de ser apresentadas na versão final. O que também atrapalha o ritmo é o cliché que as prequelas e histórias de origem usam, onde forçam referências do material de origem. Neste caso, o filme para abruptamente para fazer referência a “101 Dalmatians”.

Em adição, algo que também me fez alguma confusão foi Kirby Howell-Baptiste, que depois de ter interpretado de Laverne Cox em “Promising Young Woman” e Moses Ingram em “The Queen’s Gambit”, retrata Anita, uma personagem já ingrata num papel bastante irrelevante. Anita não faz muito além de ser jornalista e ser a única pessoa da infância de Cruella que conhece a sua verdadeira natureza. Howell-Baptiste é competente, mas Anita não contribui para que a narrativa seja abrangente.

Contudo, isso não esconde o nível admirável de precisão e execução que torna “Cruella” tão divertido. As suas Emmas são sublimes nas suas respetivas performances, enquanto Gillespie faz um trabalho incrível ao criar uma peça épica dos anos 70 que agrada tanto na moda sofisticada como no punk. Não é o melhor remake em live-action da Disney, mas é o mais ousado até agora.

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