À primeira vista, Corpus Christi pode passar a imagem do tipo de filme que seria produzido pelo sistema de Hollywood durante os anos 90, como uma comédia totalmente despropositada. No entanto, o mais recente trabalho de Jan Komasa não poderia rumar numa direção mais oposta. Por conseguinte, é de facto merecido que a Academia o tenha colocado no grupo dos nomeados aos Óscares na categoria de Melhor Filme Internacional, em representação da Polónia.
Com um historial bastante violento no mundo do crime, Daniel é enviado para um centro de detenção para jovens. Posteriormente, acaba por fomentar uma relação de amizade com Tomasz, o padre da instituição, que o faz querer abraçar a missão divina. Porém, as múltiplas histórias ligadas ao crime impedem-no de realizar o sonho de poder ser sacerdote.
Mais tarde, depois de cumprir a sua pena, consegue arranjar emprego como carpinteiro numa povoação distante. Todavia, numa panóplia de situações, acaba por ser confundido com o padre local e, perante a situação, acaba por abraçar a oportunidade e enganar tudo e todos.
Bartosz Bielenia, o jovem que interpreta o papel principal, é um pequeno diamante por lapidar. Efetivamente, nota-se a dedicação e o compromisso do ator com o personagem. Daniel é extremamente difícil de interpretar e, por conseguinte, a prestação de Bielenia é exímia. Não se trata apenas de convencer o público a compreender as escolhas de Daniel, mas também de exaltar o seu turbilhão de emoções ao longo da história.
Adicionalmente, o elenco secundário constituído por atores polacos é impressionante. De uma maneira geral, todos os personagens são parte integrante na transformação de Daniel. É quase injusto apontar dois atores específicos, já que a maioria das atuações é forte e adequada à narrativa, no entanto, Eliza Rycembel e Aleksandra Konieczna oferecem performances esplêndidas.
De forma cativante e discreta, Rycembel interpreta Eliza, uma jovem freira que desafia os protótipos da igreja católica local. Enquanto isso, Konieczna interpreta Lídia, a mãe conservadora de Eliza. O rosto expressivo de Konieczna traduz um tipo de expressão sublime que não necessita de qualquer tipo de palavra para que consigamos entender o que idealiza.
O conceito do argumento desafia os pontos de vista da religião, sendo que, para quem nasceu e cresceu na génese da igreja católica, Komasa e Mateusz Pacewicz são audazes ao trabalhar num filme tão ousado.
A história é intrigante e, quando achamos que já descobrimos tudo, é revelado outra verdade de forma inesperada. Daniel guarda muitos segredos, mas cada personagem tem algum tipo de tumulto interno.
Daniel tem segredos sombrios que tenta esconder dos cidadãos, com medo que isso estrague o seu disfarce de padre, e ao mesmo tempo tenta ajudá-los a livrarem-se dos seus sofrimentos.
Corpus Christi ajuda a consolidar uma viragem importante no cinema polaco. Komasa e Pacewicz são de uma nova geração com uma perspectiva mundana e artística, que estão a colocar questões e a desafiar as tradições que temem em prevalecer para sempre.
O novo leque de cineastas polacos, como Pawel Pawlikowski e Komasa, estão a mudar as regras do jogo, ao narrar histórias do seu país de uma maneira nunca antes vista em cinema. Certamente, este filme consegue despertar múltiplos debates devido à natureza sensível do tema.
Também há sinais de corrupção e encobrimento. Mas o intuito do filme não é espelhar um um melodrama de rotina, e os conflitos narrativos permitem que os realizadores explorem os vários tipos de papéis que a religião pode ter na vida das pessoas.
Isto pode parecer tudo muito pesado, mas Corpus Christi acaba por apresentar momentos descontraídos, diálogo inteligentes e repouso gracioso suficiente para provocar pensamentos mais profundos.