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Conclave – Crítica Filme

by João Pedro

Depois de nos ter levado às trincheiras deploráveis da Primeira Guerra Mundial com All Quiet at the Front, o realizador Edward Berger regressou para revelar as intrigas, os segredos e as traições que rodeiam um dos processos mais enigmáticos do mundo: a eleição de um novo Papa. Conclave é um thriller político com toques de espionagem sobre a ambição, os jogos de poder e a crise de valores que a Igreja Católica enfrenta.

O Santo Padre morreu e, como manda a tradição, é necessário realizar um conclave entre os cardeais para eleger um novo chefe máximo da Igreja Católica. O responsável por toda a organização é Lawrence (Ralph Fiennes), um homem que enfrenta uma crise espiritual complexa. No entanto, o evento acaba por ser uma montra do lado mais negro e político da religião: guerra suja, chantagem e corrupção. À medida que as coisas se descontrolam e os homens mais poderosos da Igreja se viram uns contra os outros, quem deverá ocupar o trono de São Pedro?

Depois de ter rezado algumas orações em latim, de joelhos, um dos cardeais agarra a mão do Papa muribundo e tenta retirar-lhe o Anel do Pescador, mas, devido à rigidez dos seus dedos, é obrigado a exercer mais força do que julgava necessário; o efeito sonoro do estalar dos seus ossos é amplificado por Edward Berger, tornando-o estrondoso, violento e desagradável. O rosto de Lawrence, que assiste a tudo congelado de perplexidade, transforma-se no espelho onde se reflecte, por um lado, o medo de acabar como o seu amado Sumo Pontífice, rodeado no leito de morte por tubarões que há muito esperam para tomar o seu lugar; e, por outro, a arrogância de uma instituição – de que ele faz parte – que faz prevalecer a sua tradição sobre a vida, a morte e os desejos de cada um. 

Ou seja, o importante não é o desaparecimento do papa, homem enquanto indivíduo – o seu nome nunca é pronunciado ao longo do filme – mas o fim do seu período como figura de relevo. Quem o substitui? 

Os favoritos para o cargo são o americano Aldo Bellini (Stanley Tucci), um liberal e amigo pessoal de Lawrence, que afirma não querer o cargo; o italiano Goffredo Tedesco (Sergio Castellitto), um conservador da velha guarda; o canadiano Joseph Tremblay (John Lithgow), um conservador moderado; e o nigeriano Joshua Adeyemi (Lucian Msamati), que concorre para ser o primeiro papa africano.

Conclave, apesar do que possa parecer à primeira vista, terá como centro nevrálgico o confronto dialético entre religiosos que, na escuridão de um Vaticano fechado como um tupperware hermético, vão tentar garantir que as suas visões do cristianismo – umas muito reacionárias e outras mais liberais, sempre dentro dos limites da própria Igreja – sejam encarnadas num Papa que as defenda. O novo filme do realizador de All Quiet on the Front retrata as diferentes conspirações que ocorrem durante o conclave e com as quais os diferentes grupos em tensão no seio da instituição tentam fazer com que o pontífice que propõem saia vitorioso de uma forma tudo menos democrática. Trata-se, portanto, de um filme que se move nas sombras que povoam um ambiente já de si sombrio. 

Os rituais tradicionais que constituem o esqueleto arquitetónico de um processo que é pura projeção para o público são filmados por Berger com uma sobriedade que contrasta com a afetação de uma música que acentua o caráter teatral do que se vê no ecrã. Cada cerimónia, cada gesto e cada palavra que ocorre durante o processo é mais uma cena do grande teatro pomposo que procura, com o seu espalhafato ritualizado, esconder os mecanismos arcaicos que fazem funcionar a cúpula da cristandade.

Tudo gira em torno da mesma palavra: conspiração. Os corredores noturnos e as salas privadas substituem a sala de reuniões pouco iluminada pelo sol; a chantagem, o suborno e a armadilha substituem o debate; e o espetáculo continua. 

Lawrence, enquanto responsável pelo processo, tenta limar as muitas ilegalidades que considera tangenciais, com o objetivo de garantir que tudo corre da forma mais justa e democrática possível, que as regras são seguidas à risca; e acaba por investigar as peripécias de cada um dos seus colegas, à medida que vai entrando numa teia de aranha que o aprisiona. 

Assim, embora as suas intenções sejam inflexíveis, os seus métodos não são os mais ortodoxos; algo que só irá constar quando tiver uma visão geral da geografia obscura do Vaticano e perceber que toda a corrupção que ele, apesar da sua auto-confessada perda de fé na Igreja – e não em Deus – estava convencido que era incidental, é de facto de natureza estrutural, tal como a opressão da própria instituição é de natureza estrutural: o Papa recentemente falecido negou o seu pedido para sair de Roma para uma vida mais calma, longe dos círculos do poder, porque era “desígnio do Senhor que ele lá estivesse”. Mais uma vez, as decisões identitárias e existenciais dos indivíduos são subordinadas aos interesses de uma Igreja que recorre à tradição para manter os seus privilégios e continuar a interferir na vida das pessoas.

No seu discurso de abertura do conclave, Lawrence diz: “Ao longo de muitos anos, ao serviço da (…) Igreja, deixem-me que vos diga que há um pecado que passei a temer acima de todos os outros. A certeza. A certeza é o grande inimigo da unidade. A certeza é o inimigo mortal da tolerância. Mesmo Cristo não estava certo no fim. Gritou na sua agonia, à hora nona, na cruz. A nossa fé é uma coisa viva precisamente porque anda de mãos dadas com a dúvida. Se só houvesse certezas e não houvesse dúvidas, não haveria mistério. E, portanto, não haveria necessidade de fé. Rezemos para que Deus nos conceda um Papa que duvida. E que nos conceda um papa que peca e pede perdão e que continua”. 

No final, o resultado é claro. Este thriller não tem propriamente a ver com questões de fé ou de política eclesiástica, mas sim com ganância e fome de poder, mesquinhez e competição. Por outras palavras, sobre abismos profundamente humanos. Acima de tudo, porém, trata-se de contar uma história cinematográfica emocionante e visualmente deslumbrante.

8/10

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