Todos os filmes são sobre histórias de amor. Bem, nem todos, mas, a grande maioria, tende a rondar à volta de encontros e desencontros amorosos. Chungking Express é um dos filmes que melhor se enquadra dentro do compêndio de histórias de amor. É um filme de encontros e desencontros de amor e de expetativas superadas e defraudadas.
Os murmúrios iniciais são narrados por um dos protagonistas e rapidamente nos enquadram na aura holística que acompanha toda a trama: o facto de todos os dias nos cruzarmos com dezenas de pessoas e que a proximidade e cumplicidade que perspetivamos ter pode ser usurpada por fatores que não controlamos.
O filme divide a sua ação em dois episódios. Sendo a primeira parte reservada a um protagonista que sofre acorrentado à inércia de não saber ultrapassar, o que aparenta ser, a sua primeira grande paixão e consequente primeira desilusão. A segunda parte não navega para uma margem muito distante, centra-se também num protagonista que vê a sua companheira apanhar um voo para longe de todas as suas boas intenções – neste caso a companheira era assistente de bordo.
O local de rodagem da longa metragem é em Hong Kong. O realizador (e escritor) Kar-Wai Wong, transporta-nos para as profundezas de uma claustrofóbica cidade em ebulição. Espreitamos ruas sobrelotadas, sem espaço para crescer e ninho de ocorrências ilegais. Os planos próximos aproximam-nos das identidades das personagens, mas também das suas inseguranças. A cinematografia é elaborada: dá-nos poucos planos abertos e pouca luminosidade – o que entendo como uma tentativa de nos subjugar apenas àquele contexto e abstrair-nos de um cenário exterior. Não passa despercebida a tentativa de personificar uma série de objetos com o intuito de lhes trazer conotações importantes às personagens que os manipulam – desde panos da loiça a latas de ananás.
Kar-Wai Wong usa técnicas de filmagens cruas e intensas. A desfocagem é uma técnica utilizada, repetidamente, na primeira parte do filme. É-nos oferecido uma perspetiva privilegiada sobre o olhar do protagonista. Parece que estamos a caminhar e correr as ruas de Hong-Kong à descoberta das razões e intenções dos intervenientes.
As duas histórias perfilam polícias que trabalham durante o turno da noite como protagonistas. Uma coincidência que pouco ou nenhum significado acrescenta às histórias. Ainda que sejam apresentados os nomes dos polícias, muitas vezes, são apenas mencionados pelos números atribuídos enquanto agentes. A primeira história é do polícia nº 223 e a segunda do polícia nº663.
Para além da profissão, partilham carências sociais e afetivas que acabam por ser o foco central do filme.
Ambas as histórias escorrem as suas narrativas pelas ruas da cidade mas acabam por se encontrar sempre num restaurante de rua. O dono desse restaurante serve de conselheiro e confidente a ambos os protagonistas. Uma personagem interessante que se assume como o individuo mais esclarecido de toda a rodagem.
A história do polícia 223 é marcada pelo encontro com uma mulher de peruca loira. Ela, embrulhada num esquema de tráfico de droga, despegou-se de fáceis emoções há muito tempo e vive na sombra das consequências das suas ações.
Já o percurso do polícia 663 desenrola-se nas imediações do restaurante de rua. Termina os seus turnos a ir comprar o jantar para a, ainda, namorada e posteriormente à separação encontra, no restaurante, novas razões para manter a rotina.
As rotinas de todas as personagens destacam pontos salientes das suas personalidades. Manifestam pequenas obsessões em ações que vão desde comprar sempre o mesmo jantar, invadir a privacidade ou comprar latas perto do prazo de validade na esperança de que quando chegar à data marcada tudo fique bem.
O realizador mostra que as repetições não são coincidências exibindo uma banda sonora recheada de sucessos clássicos americanos que tocam e tocam uma vez atrás da outra. Se por um lado pode parecer incomodativo as repetições das músicas por outro lado arrumam-se perfeitamente nos momentos em que são necessárias, tornando todos as singularidades em peças que encaixam suavemente umas nas outras na criação da atmosfera do filme.
Os palcos deste filme são partilhados, vez a vez, por atores disfuncionais. Despatriados de facilidades e de encontros fáceis com o amor e com as relações humanas, as personagens desencontram-se em pontos comuns e é isso que leva a uma linha condutora do filme.
Não é um filme perfeito, mas, de outra forma, perdia a sua essência. Imprimimos as peculiaridades de cada carácter nas nossas ações do dia a dia e sentimos-nos na pele das personagens em cada pensamento, em cada ação ou emoção.
A grande mensagem do filme é que olhando por detrás da cortina somos todos atores secundários, ou até mesmo figurantes, na vida dos outros.
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