Após ter estreado no ano passado num festival de cinema e ter a sua data de lançamento global adiada, The Bikeriders conseguiu ver, finalmente, a luz do dia. Percepcionado até há bem pouco tempo como a grande aposta da Universal Pictures/Focus Features para a temporada de premiações, o filme realizado por Jeff Nichols ficou um pouco aquém das expectativas e de todo o furor que pairava no ar.
Alguns indícios em torno da produção, já apontavam para um potencial desconcerto no processo criativo: se por um lado o título faz alusão ao album fotográfico de Danny Lyon, que acompanhou de perto a emancipação das gangues de motards na década de 1960s, por outro lado, a história em si, é inspirada tangencialmente num secção específica do mesmo álbum, sobre o Outlaws Motorcycle Club, que como o próprio nome indica, se refere a um grupo internacional de motards transgressores, de onde Nichols mudou, ficcionalmente, para The Vandals.
Uma das primeiras impressões fortes que tive, foi a inesperada, parecença a The Goodfellas (1990), que tal como Henry Hill se relembrava dos seus tempos na mafia, aqui é na forma de recorte de acontecimentos, que é feito, através do já mencionado Danny Lyon (Mike Faist) a entrevistar a esposa Kathy (Jodie Comer), do jovem protagonista rebelde, Benny (Austin Butler), enquanto esta narra como foi o seu contacto e jornada com a gangue. Outras personagens como Johnny (Tom Hardy), fundador do grupo, são também alvo de destaque das memórias, sem esquecer da personagem Zipco, interpretado por Michael Shannon, habitual colaborador de bolso do realizador.
Jeff Nichols é conhecido por abordar temas que incidem essencialmente sobre a natureza e nuances dos laços no seio familiar, algo que é transversal à sua filmografia. Nos Vandals isso é, logicamente, visível num grupo instável e violento, onde ao longo da narrativa em quase uma década de eventos, sucessivos momentos nos permitem perceber a base que está na relação de poder e hierarquia dos motards. Algo que eu esperava que Nichols quisesse ir muito mais fundo, em querer abordar temas sociais daí recorrentes, e mesmo que não glorifique, acaba por ser uma versão hollywoodiana bastante rasa nesse aspecto. The Bikeriders foca essencialmente na estética do mythos americana dos motards, levando literalmente a inspiração de se basear num álbum fotográfico, colocando de lado, infelizmente, toda uma panóplia de considerações que poderiam ter sido feitas. Por isso cinematograficamente é exemplar, mas narrativamente e tematicamente fica muito aquém.
As semelhanças com The Goodfellas (1990) vão um pouco mais longe, porque tal como este mostrava um grupo de indivíduos da mafia que emulavam a imagem da caricatura cultural do que se esperava de um mafioso ítalo-americano, sendo só projeção externa, também, o grupo do Vandals é retratado como um produto da cultura dos motards, e não, um percursor em si mesmo. Isto é muito bem ilustrado na cena em que Johnny, o líder, tenta imitar os trejeitos da atuação de Marlon Brando ao assistir na TV, The Wild One (1953), tudo para copiar o “status quo” e a tal estética, associada à representação que estas gangues de vândalos tem no imaginário coletivo. Este ponto no guião é um dos acertos que mais gostei no filme, e que espelha em cheio, a meu ver, naquilo que foi sobretudo o zeitgeist da época.
A escolha de Austin Butler para cabeça de cartaz deste projeto, assim, é até apropriada, visto que The Bikeriders sendo somente uma utilização cinematográfica mais de imagem, do que de conteúdo, é precisamente essa a percepção que o próprio ator se vende, como figura. Claro que isso em nada favorece com quem procurava uma grande atuação nesta temporada, ficará com certeza, desiludido. Do outro lado, temos Tom Hardy cuja personagem tem a maior profundidade e desenvolvimento, o único que realmente o guião aproveita para deixar brilhar, podendo ser um potencial candidato em futuras premiações. Os picos emocionais do filme são com ele protagonizados, num conflito interno bem explorado, no entanto, outro aspecto negativo, que prejudicou este mesmo ponto, prende-se com o foco da narrativa que é bastante disperso, uma espécie de estrutura de “navegação à vista”. Parece-me que Nichols se tentou divertir com este exercício criativo de adentrar na cultura dos motards, mas sem ter uma ideia boa de onde levar a história e mais importante, o que quer realmente contar?
No final, creio que esta história contada no formato de tempo, com um ritmo mais relaxado, dando espaço para as jornadas individuais de cada personagem para respirar e desenvolver com cuidado, teria sido a solução de produção acertada. Mas, assim, neste resultado que aqui temos em mãos, é uma das grandes desilusões do ano, que em nada faz para se te tentar diferenciar de tantos os outros produtos hollywoodianos do género. Contudo, não é um mau filme longe disso, mas aquilo que no papel tinha tudo para descolar e vencer, na sua execução é um tiro no pé de uma premissa intrinsicamente interessante.