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“Bombshell”: Um tema na agenda do dia

by João Pedro

À partida, a génese de “Bombshell” aparenta ser coesa, e a abordagem ao assunto chave parece ser correta. Depois de “The Loudest Voice”, a minissérie da Showtime, volta a ser concebida uma produção em torno do escândalo de Roger Ailes. Todavia, “Bombshell” distancia-se da série, e, desta feita, concentra-se menos em Ailes e mais nas mulheres responsáveis pela sua queda.

Bombshell gira em torno de três mulheres que trabalham na Fox News por volta de 2015-2016: Megyn Kelly, uma apresentadora de noticiários, Gretchen Carlson, a apresentadora do programa “Fox & Friends”, e Kayla Pospisi, uma jovem estagiária.

A dada altura, o trio acaba por fazer frente a Ailes (John Lithgow), o CEO daquele grande império, ou por outra, um homem paranóico e mal-humorado que promove um ambiente de trabalho sexista, e que incentiva reportagens sensacionalistas no esforço de obter o melhor número de audiências possível. 

Desta feita, quando Carlson entra com uma ação contra a Fox, e alega que Ailes a assedia sexualmente, o caso impulsiona que outras mulheres apresentem as suas próprias histórias sobre a má conduta do CEO. Posteriormente, a questão que paira no ar é a seguinte: será que existe alguém influente para a apoiar no processo ?

A principal lacuna de Bombshell é deixar a política de lado (por assim dizer) e encarar o assédio sexual como uma questão não partidária. Para isso, no entanto, apresenta Carlson e Kelly como “mulheres fortes”, mas evita examinar as suas crenças centrais e, muitas vezes, ações e palavras contraditórias. 

O filme não esconde as opiniões políticas que cada uma das personagens que apresenta (Theron, na verdade, recria os comentários infames de Kelly sobre Jesus e o Pai Natal durante uma cena), porém, não existe disposição de manter as mãos no fogo e apresentá-las como pessoas confusas e complicadas que, no entanto, merecem simpatia pelo que tiveram que sofrer. 

Theron, Kidman e Robbie exaltam performances razoáveis, embora Theron e Kidman caiam na armadilha de oferecer uma imitação, ao passo de uma performance propriamente dita. Robbie tem o trabalho mais difícil das três, já que a sua personagem não afeta o resultado da narrativa de Bombshell. 

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Assim, Pospisil vê-se envolvida numa história secundária com Jess Carr, numa tentativa frágil do filme ao passar a imagem de uma visão unilateral do retrato dos funcionários da Fox.

Em contrapartida, numa nota primordialmente positiva, Lithgow não retrata Ailes como uma simples caricatura. Por conseguinte, capta a sua arrogância de forma tão graciosa quanto as inseguranças, ao recusar admitir aquele seu comportamento tóxico. 

O restante elenco é repleto de nomes talentosos (Connie Britton, Mark Duplass, Allison Janney, Richard Kind, e assim por diante), embora as suas cenas não deixem de cair no hábito de exibir meras caricaturas de personalidades verídicas. 

O argumento de Charles Randolph emprega muitos dos mesmos truques que se viram em “The Big Short” (filme em que colaborou com Adam McKay), com o intuito de tornar a história mais cinematográfica.

Aliado ao trabalho de fotografia jornalística de Barry Ackroyd (muitos trabalhos de zoom de encaixe), esta abordagem mantém o filme em movimento num ritmo vívido e animado. 

Da mesma forma, Jay Roach, o realizador, utiliza algumas das mesmas técnicas que fez uso em obras anteriores, como em “Game Change”, ao misturar imagens de arquivo reais com o trabalho do elenco, para dar ao resultado final um toque forte de verosimilhança. Todavia, em boa verdade, “Bombshell” não se destaca particularmente de outros trabalhos que Roach realizou anteriormente. 

Bombshell é uma tentativa bem-intencionada de alcançar a divisão política e fornecer uma mensagem edificante para as vítimas de assédio sexual, em contrapartida, na minha óptica, contar uma história “imparcial” sobre as polémicas da Fox News não é uma boa maneira de fazer isso.

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Talvez se o filme adotasse uma abordagem mais provocadora, possivelmente satírica ou apresentasse uma mulher a trabalhar no argumento ou na realização do filme, o objetivo poderia ser alcançado. Em vez disso, Bombshell equivale a uma reconstituição que não tem muito acrescentar à história de Roger Ailes. 

Para alguns espectadores, o filme pode notar-se adequadamente informativo e de bom tom na sua apresentação, mas para outros, poderá ter todos os problemas evidentes de um filme que pretende que apoiemos alguém como Megyn Kelly.

O enredo poderia ter sido desenvolvido como uma narrativa passo a passo, cheia de suspense, ao longo das seguintes cenas: inocência, submissão, protagonismo, assédio, frustração, processo e vitória. 

Em vez disso, misturam-se várias cenas com três caminhos diferentes. Megyn Kelly confronta a ideologia de Trump durante o primeiro debate dos candidatos republicanos à presidência dos Estados Unidos da América; Carlson contrata advogados, e a recém-chegada Pospisil apercebe-se gradualmente do sistema corrupto e sexista que vigora no seu local de trabalho. 

Repentinamente, quando o processo se torna público, Ailes, cuja única defesa é a negação, acaba por ser demitido rapidamente, e o filme aparenta oferecer uma trama feminista, mas trata apenas de exibir um cenário de mulheres bonitas sem lhes dar a oportunidade de demonstrar a sua inteligência. 

Em vez de lutar por justiça, “Bombshell” retrata mulheres que estão a vencer a batalha dos sexos, mas não esmiúça esse processo de vitória. 

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