Bojack Horseman é atualmente considerada como uma das melhores séries animadas dos últimos anos, tornando-se numa das séries mais populares da Netflix. Num universo em que humanos e animais antropomórficos convivem e vivem obcecados pela cultura das celebridades, há momentos que vão muito além do humor nonsense. Esta é uma série que retrata traumas, problemas mentais, solidão, e vícios de uma forma que chega a ser mais crua do que vimos em vários live actions. Quem diria que uma série sobre um cavalo deprimido e alcoólico conseguiria ser tão marcante.
Esta é a história de um ator que durante os anos 90 participou numa das sitcoms mais marcantes daquele universo. Anos depois, Bojack Horseman (Will Arnett) é um cavalo agarrado ao passado e desejoso de recuperar a sua antiga fama, ao mesmo tempo que pende para o vício do álcool e drogas devido a uma depressão que poderá ter origens mais profundas do que possa parecer à primeira.
Entretanto teremos muitas outras personagens a companhar o percurso de Bojack Horseman. No que toca a personagens recorrentes podemos referir Diane Nguyen (Alison Brie), que ao longo da primeira temporada irá escrever uma biografia do ator, o alegre e ingénuo Mr. Peanutbutter (Paul F. Tompkins), a trabalhadora Princess Carolyn (Amy Sedaris) e o preguiçoso mas adorável Todd (Aaron Paul). Há outras personagens que irão marcar a vida do cavalo deprimido, contudo para evitar demasiados spoilers não irei aprofundar.
“It takes a long time to realise how truly miserable you are and even longer to see it doesn’t have to be that way. Only after you give up everything can you begin to find a way to be happy.”
A crítica e sátira sociais estão no ponto com esta série. No mundo de Hollywoo há toda uma série de temas ligados a depressão, vícios, sexismo, bem como toda uma série de relações humanas problemáticas. Ao contrário de muitas séries animadas para adultos, Bojack Horseman tem uma história com continuidade a cada episódio. E as piadas recorrentes e subtis com animais é algo que vale a pena detetar ao rever cada episódio.
“Not understanding that you’re a horrible person doesn’t make you less of a horrible person.”
A série é bastante eficaz a abordar a questão das doenças mentais de uma forma que faz inveja a 13 Reasons Why. O protagonista é um narcisita implacável que se odeia a si mesmo e a quem o rodeia, vive agarrado a um passado de fama e não consegue escapar a um sentimento intenso de insatisfação e solidão apesar de ter várias pessoas em seu redor e ter uma vida melhor do que o comum mortal. Mesmo quem não tenha problemas psicológicos a um certo ponto na sua vida consegue-se identificar com os mesmos sentimentos que os de Bojack. Não é o tipo de narrativa que desculpe as suas atitudes, mas mostra-nos claramente a forma como estes problemas afetam um indivíduo e as suas relações com os que lhe são próximos.
“Kelsey, in this terrifying world, all we have are the connections that we make.”
Todas as personagens têm os seus próprios dilemas a resolver e é algo com o qual vão lidando com o desenrolar da história. Bojack Horseman em particular irá começar a lidar com as suas ações (antes e durante os eventos da série) e isso irá ter uma profundo efeito espiritual. Uma personagem que começa como um ex ator narcisista, deprimido e cheio de vícios começa-nos a parecer cada vez mais humana, apesar de muitas coisas horríveis que ele faz e que deixam marcas nas vidas de outras pessoas. Algumas das personagens acima mencionadas, nomeadamente Princess Carolyn e Diane Nguyen, também passam por situações que têm um profundo impacto nas suas vidas e formas de ver a vida. É a capacidade de mostrar a dureza dos sentimentos humanos que fez com que Bojack Horseman seja para mim uma das séries mais marcantes da minha vida adulta.
Há episódios em que o humor usado não olha a meios para chocar e satirizar de forma crua e exagerada cada tema que é abordado. Alguns episódios têm inclusive um fator distintivo: há um episódio “silencioso”, dois episódios de flashbacks, um episódio com apenas um monólogo, entre outros. Além disso há citações nesta série que ou deixam o espectador com uma verdade desconfortável, ou dizem uma verdade inconveniente com um pouco de sarcasmo à mistura.
“The universe is a cruel, uncaring void. The key to being happy isn’t the search for meaning; it’s just to keep yourself busy with unimportant nonsense, and eventually, you’ll be dead.”
O que torna Bojack Horseman uma série memorável? O facto de ter uma crítica social profundamente interligada com o argumento. Por muito ridícula que possa parecer a sátira de cada episódio bate certo com os tempos em que vivemos. É caso para dizer que as séries com os conceitos mais ridículos acabam por surpreender em mais que um sentido. E no caso desta série, qualquer pessoa que sinta as dores da vida adulta certamente encontrará conforto e esperança nas mensagens que um cavalo narcisista acaba por passar.
One day, you’re gonna look around and you’re going to realize that everybody loves you, but nobody likes you. And that is the loneliest feeling in the world.”
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