Em 1999, Walter Salles e Fernanda Montenegro fizeram história com o filme “Central do Brasil”. Em 2025, a história repetiu-se, mas desta vez com o mesmo realizador e a filha de Montenegro, Fernanda Torres, no filme Ainda Estou Aqui.
Mais de 25 anos após Fernanda Montenegro se ter tornado a primeira atriz brasileira nomeada para o Óscar de Melhor Atriz Principal, Fernanda Torres segue-lhe os passos, tornando-se a segunda brasileira a consegui-lo.
Ainda Estou Aqui transporta-nos para o Brasil dos anos 70, em plena ditadura militar. Acompanhamos a rotina da família Paiva, numa casa sempre pronta para receber amigos e celebrar a vida. Tudo muda no dia em que polícias à paisana levam Rubens Paiva (Selton Mello), o pai da família. Eunice Paiva (Fernanda Torres) vê-se então sozinha, com cinco filhos para criar e a angústia de não saber o que aconteceu ao marido.

O filme é de uma intensidade arrebatadora. Vivemos cada emoção desta família, sentimos a sua dor e a sua luta, e é impossível não nos deixarmos envolver. Saber que esta história é real — baseada no livro de Marcelo Rubens Paiva — só torna tudo ainda mais impactante. Para Walter Salles, a ligação à história é ainda mais profunda até porque cresceu perto da família Paiva e vivenciou tudo o que representa no filme.
Tecnicamente, o filme está bem conseguido. A escolha dos planos, os figurinos, os cenários e a decisão de filmar em 35mm transportam-nos diretamente para aquela época, tornando a experiência ainda mais autêntica. Mas, para mim, há um verdadeiro destaque neste filme.
E esse destaque é, sem dúvida, Fernanda Torres. Conhecida pelo seu trabalho em comédia no Brasil, a atriz prova aqui que uma interpretação pode ser poderosa sem recorrer a grandes dramas e fogos de artíficio. Tanto ela como a sua mãe, Fernanda Montenegro (que interpreta Eunice na última fase da sua vida), conseguiram emocionar-me com um simples olhar. Um olhar que diz tudo. Um olhar que carrega toda a dor, resiliência e força de Eunice.

A nomeação ao Óscar de Fernanda Torres é mais do que merecida, e a sua vitória no Golden Globe reforça a importância deste filme, ajudando a levá-lo a um público ainda maior. Num tempo em que muitas vezes sentimos que caminhamos mais em direção ao passado do que para longe dele, Ainda Estou Aqui torna-se um alerta necessário.
Este é um trabalho belíssimo para o cinema brasileiro e, sem dúvida, abrirá muitas portas para que se olhe com mais atenção para o que está a ser produzido no país. Da nossa parte, só podemos celebrar o facto de um filme de língua portuguesa estar nomeado tanto para Melhor Filme Internacional como para Melhor Filme.
Se ainda não viste Ainda Estou Aqui, que estreou nos cinemas a 16 de janeiro, faz um favor a ti mesmo e vai vê-lo. Prometo que não te vais arrepender. Mas leva lenços!